Não faz tanto tempo, ela
feliz sorria, dizendo loas, cantigas santas: uma menina sempre…
…A noite amanhece e sempre,
ou quase sempre, nada é diferente, exceto o meu olhar cansado que fica cada vez
mais noturno e sem solar luz. …
Vejo através das grades da
minha prisão domiciliar, onde o meu exílio mora. O meu amor também escorre
feito leito de rio e se esvai sem precisar exatamente dizer-me com palavras:
“adeus”
Madrugadas sonolentas e
frias são um eterno estado de torpor e medo.
A descrença da carne é
cruel, o desalinho dos sonhos um temporal de interrogações e de palavras que me
fazem desconfiar das muitas convicções, o amor me é real neste despencar do
calendário, silenciosamente me adentro e quase nada encontro do que antes
pensava haver, a certeza da mais triste visão varre de mim a vontade de sorrir.
Minha boca tem um fel que me faz companhia, somente o barulho dos motores dos
carros apressados dá-me a noção de que a vida lá fora tem movimento e sons.
Cá de dentro da minha dor,
ouço mantras de agonias, ouço pausas nos calados segredos das horas e penso,
penso em tudo que adormece em meu ser, enquanto num gesto de conformação e de
constatação nunca acordo; levanto-me apenas, entendo que o fim permeia o
instante . E ela parte a cada novo dia, e me deixa cada dia mais só.
Há uma semelhança no que
vivo neste eternal e bisonho, com a maternidade: toda mulher é feliz por
carregar no ventre vida; mesmo sabendo que nada sabe do assombroso instante da
explosão do nascimento.
…E lembrando Cristo na sua
angustia e medo da morte dizia ao pai: senhor se possível afasta de mim este
cálice. Assim também eu temo aquele instante em que verei seu último suspiro.
Há um coquetel de amor e de
pavor na maternidade em seu final, assim como na espera da hora em que se
aproxima com passos lentos e sutis a morte de um grande imensurável ser que
tanto amamos.
Olhando para o leito, como
quem olha para a cruz, vejo uma vida em torturado sacrifício morrendo sem
glórias, sem louros, sem honras, lembro-me de Jesus, que por todos deu a vida
assim crucificado, braços estendidos mãos e pés atados, sofrendo sangrando.
Sagrado.
E nas vírgulas das noites,
e nas reticências das tardes, inda lembro seu sorriso que mora no ponto final
deste nosso amor sagrado.
Sagrado seja este olhar que
já não fita o meu cansado, sagradas sejam suas mãos, enrugadas, trêmulas e
quentes, sagradas sejam as carícias que delas sinto ao roçar a pele frágil entre
os dedos encrespados de dor, são mãos mortas são, sem gestos, sem pecados,
bendito seja eterno, este amor tão lindo que me deu toda vida, assim rezo.
O amor é a força que faz
forte um homem cansado. O amor é o infinito sentido do que ainda resta, uma
linha curva com reta final ao silenciar de tudo.
(Ednar Andrade).