Naquelas tardes frias, D. Zefinha cantarolava, enquanto passava
a roupa. As tardes eram mornas, como uma colcha de algodão. Um cheiro perfumava
o ar: carvão ou madeira no forno de lenha
Havia algo de mágico ou de conto de fadas naquela história real...
Vindo da cozinha um cheiro de batata-doce cozido em fogão de lenha, tapioca que
anunciavam a véspera de um café fresquinho. Lembro-me, a rua deserta, um chão
de areia batido com nervuras deixadas pela enxurrada. E eu olhava pela janela
com uma vontade quase incontida de tomar banho de chuva. Ah! Como eu sentia
inveja da meninada molhada, descalça, jogando biloca ou desenhando peixe na
areia já sequinha... Só brincavam meninos; isso não era coisa de menina.
Enquanto as meninas brincavam de agasalhar as bonecas, pois pensávamos que, também
elas, sentiam frio.
Havia uma rede no alpendre, com varandas tão longas, quase
arrastando o chão. Meu pai, com costumes ciganos, nunca me deixou claro se eu
precisava de outro mundo ou se bastava o aconchego do lar. De frente para o
fogão, uma mesa disposta da forma mais rústica e simples, com canecas em ágata,
com florais tatuados (canecas azuis, verdes e brancas), com bancos construídos
da forma mais simples: madeiras e pregos, que meu pai fazia. Penso que ele
aprendeu tal arte no seu ofício de pedreiro, pelas andanças nas obras e
construções.
Um cenário de inverno... Tardes cinzas. Íamos à gaveta, na
aventura de encontrar algo mais quente e nada havia. Nordestino, naquele tempo,
quase não sentia frio ou talvez, quem sabe, penso hoje, fosse a delicadeza na
qual o contexto da minha família vivia que não nos deixava ter casacos como
iguarias.
Eu me encostava à mesa naquelas tardes de inverno para ouvir o
que ela e minha mãe segredavam e eu usufruía do calor do ferro, enquanto
Zefinha borrifava água e uma gosma fina sobre as peças que passava... Uma
mistura de goma levada ao fogo e mexida, dava às peças uma textura estática,
como se fosse tecido envolto em gesso. Os lençóis eram bordados por minha mãe,
ao bastidor, com muito esmero, em florais azuis.
D. Zefinha passava cantarolando aquele ferro em brasa, peças e
peças de linho, lenços bordados em pontos-cruz com iniciais SH, que
significavam o nome do meu pai: Severino Honório. Eu não entendia porque as
cuecas do meu pai mais pareciam camisolas de murim branco, tecido do qual eram
compostas as cuecas dos homens e as calçolas das mulheres. Eu olhava para
aquelas peças sem a certeza de que poderia fixar o meu olhar ou estava fazendo
algo desaprovado pelos adultos. Na mesa de passar, as peças íntimas eram como
segredos queimados e eu imaginava mil coisas.
A tarde, como um manto, ia descendo numa lentidão que, para mim,
tinha algo de apocalíptico e tudo o que eu sabia é que era inverno.
Vez por outra, Zefinha largava a roupa e ia ao quintal soprar um
orifício no ferro, fazendo assim com que a brasa acordasse. Meu pai acordava da
sesta. Abria a boca num bocejo sonoro, tomava um café fresquinho, fazia um
cigarro de palha e soltava um riso. Zefinha recolhia o cenário. Reuníamos-nos à
mesa. Agora chegava a noite e um aconchego mudo juntava a família (pai, mãe e
filhos) e nos levava ao salão, onde cantávamos juntos ao som de um acordeom...
Assim eram as tardes e as noites de inverno...
Penso que as famílias eram mais felizes e mais aconchegantes as
noites frias.
Boa noite.......
(Ednar Andrade).
Doces e ternas lembranças, à semelhança das minhas. Bom recordar!
ResponderExcluirUm xêro!