(Foto do meu arquivo).
Ela ouvia atentamente,
enquanto degustava o ovo mexido com total desinteresse. Dedinhos frágeis, mãos
expressivas, inteligência em permanente ebulição.
Seus olhos giravam e
criavam imagens que aquarela alguma podia trazer de volta. Ela parecia flutuar.
Ouvia atentamente... Com a mãozinha sob o queixo, olhinhos inchados, pois acabara
de acordar.
– Vó, hoje é domingo?
– Gosto das manhãs de chuva.
– É tão bom estar aqui, tomar café e conversar, acordar com
você...
– Nas manhãs chuvosas sinto algo que não sei dizer.
–Parece que tem uma saudade, mas também não sei do que.
– Vovó, fale da vida, conte-me sua história.
– Conte vó, conte mais.
– Você vai contando e eu vou tomar café.
Mas eu tentava, com
toda dedicação de uma avó, que quer dar de presente a uma criança, uma história
verdadeira. As manhãs chuvosas sempre trazem, aos mais antigos e aos
pequeninos, um doce perfume que exala memórias, faz renascer histórias, faz
rebuscar o que foi vivido.
Há todo um fascínio,
toda uma magia que mesmo sendo suaves ou duras verdades, trazem consigo um toque
de fantasia, como nos contos de fadas, um lúdico agora, que nos vem no vento,
como lembrar do cheiro do café quentinho, feito no fogão à lenha, aquele pão
com manteiga que, da sala, dava para sentir o perfume da manteiga, quase o
crocante do seu assado e seguimos no nosso café, entre pausas e questionamentos
e perguntas. Ela ficava espantada. Seus olhos amendoados e castanhos tomavam
forma de interrogação.
E tudo começou, porque
em algum momento, algo precisava ser contado para que ela comesse aquele ovo.
Então lhe falei dos tempos da minha infância, contava-lhe como era difícil e ao
mesmo tempo bela, a vida, mesmo com todas as suas dificuldades, dentro de todo
um contexto que hoje só para quem prefere o simples, continua sendo bom,
continua sendo vida. Perguntava-me com curiosidade natural sobre todas as suas
dúvidas e eu ia lhe respondendo com a paciência das avós.
Então narrei pequenos
tópicos desta minha estrada (vida), contei-lhe como eram as noites, o que
faziam as crianças depois do jantar, as brincadeiras na rua. Contei-lhe que as
crianças cantavam cantigas de roda, como “ciranda, cirandinha, vamos todos
cirandar”, contei-lhe que em minhas noites, mesmo não havendo perigo, mesmo podendo
brincar nas ruas, as brincadeiras como amarelinha, garrafão e melancia, prenda
e tantas outras, em algumas noites a festa era particular.
– Particular, como
particular vovó?
– Particular, porque
nestas noites não havia brincadeiras nas calçadas. Na sala da minha casa
reuníamos com alegria, cantando e tocando. Haviam instrumentos musicais: violão,
acordeon e escaleta. Fazíamos nosso próprio sarau e cantávamos as canções mais
doces. Assim passávamos as noites, tínhamos nossa própria festa. Ela
suspirava...
E o seu olhar doce e meigo parecia viajar,
enquanto a sua curiosidade aumentava.
– Vó, e o que se fazia
quando não existia internet?
– Vó, e como passava
um recado urgente, quando não tinha celular?
– Esperava, Julinha.
– Sim, vó, mas se a
notícia era urgente?
Falei-lhe, então, dos
telegramas, das cartas, que tantas vezes perdiam-se em sua trajetória.
Perguntas quase sem fim brotaram do seu olhar, que as minhas tantas respostas
não conseguiam-lhe saciar.
Julinha comeu o ovo...
Rsrsrs... E como toda criança, olhou para mim, de repente, e disse:
– Vou brincar.
– Mas, vó, antes de ir
quero dizer uma coisa:
– Queria tanto ter
nascido em seu tempo, ser como você e saber histórias para lhe contar.
E foi arrumar as suas
bonecas, distraída e feliz.
(Ednar Andrade).
(Ednar Andrade).
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