segunda-feira, 26 de outubro de 2009

Conto: Momentos Assim... (Capítulo 1)



Momentos Assim...


A velha cerca, o gado e um verde de fartos cajueiros. Sebastiana fazia a trempe com pedras graúdas que catava no quintal, vindo dos cajueiros um cheiro de flores; um perfume inesquecível. Pitangueiras coloriam como roseiral, aquele,cenário único e tão belo. Que perfume! Perfume que nunca esqueço. O cheiro das pitangas maduras, misturado às flores do cajueiro. Um aroma de sonhos, sonhos de criança. Sebastiana varria um cantinho na sombra e o reflexo das folhas formava a renda que forrava o chão. Ali eu brincava com bonecas, fazia vaquinhas com mangas verdes. As pernas eram palitos que catava no quintal. Pernas feitas dos próprios garranchos que caíam dos cajueiros. As maiores eram das vaquinhas; as menores dos bezerrinhos. Meu pomar de sonhos. Que infância linda! Ainda ouço o canto de Sebastiana que lavava vestidos coloridos, saias rodadas, anáguas branquinhas com renda, enquanto eu brincava. Meu Deus, como era lindo!
Um cacimbão, coisa comum naquele tempo... O barulho da lata batendo contra a parede era uma canção. Eu me deleitava... Parava qualquer coisa, soltava as vaquinhas, as bonecas, para ver Celestino puxando a lata. Sentia uma inveja da lata, naquele mergulho, naquela água fresquinha e Sebastiana dizia: “Saiam daí, quem cai aí não volta” e eu ouvia, saía obediente e voltava às bonecas e agora Sebastiana já fazia o feijão naquele caldeirão naturalmente pintado pelas marcas da lenha que o fazia ser completamente negro, mas dali saía um cheiro maravilhoso de feijão. Sebastiana lavava roupa cantarolando e, volta e meia, tomava uma colherada de caldo. Eu, na minha inocência, olhava para Sebastiana e achava, sem saber dizer a palavra que a definia: ela era egoísta, pois ela não dividia o caldo. Eu que esperasse com paciência o banquete ficar pronto. Eram dias de manhãs douradas, lembro-me que era agosto, apenas porque o vento soprava com tanta força, as folhas balançavam frenéticas, aumentando o perfume vindo delas e a minha tia Anália dizia: “Mês de agosto, mês de ventos, das cobras, dos desgostos”. Grandes recordações. Recordações tão boas e tão felizes. Há coisas que não me lembro, não me lembro com exatidão; outras continuam tão vivas e surgem assim, de repente, numa manhã de agosto. Voltando à Sebastiana, que cantava e lavava roupa, não lembro-me do seu rosto, apenas das suas vestes. Sebastiana morava no sítio, mas não era minha parente, nem o sítio era meu. Era vizinho do meu. Como não lembro de tudo, não lembro o nome, agora, da menininha que me acompanhava, lembro-me apenas que era sobrinha de Sebastiana e que era muito mimada e eu, sempre muito levada, tinha as melhores idéias de como desobedecer. Sair de fininho do olhar de Sebastiana, por exemplo, e roubar na cerca uns frutinhos que chamam vulgarmente de melão-de-são-caetano; é uma ramagem que nasce naturalmente em qualquer cerca e dela nasce um frutinho laranja que chamávamos de galinha. Sebastiana dizia: “Não comam isso”. Ora, ela bem que poderia dizer: “Comam à vontade”, pois talvez assim eu não comesse. Dizia ela que aquilo era veneno, mas eu queria ter a certeza deste efeito. Sendo assim, hoje concluo, que já comi muito veneno. Ali colhíamos os frutinhos, comíamos escondido de Sebastiana; a outra parte levávamos para a casa das bonecas. As bonecas não se importavam; só as formigas gostavam. Eu as achava ingratas; corríamos tanto risco, bronca de Sebastiana, levávamos galinhas tiradas da cerca e elas nem se importavam... hahahaha.... Quanta inocência! Que maravilha!


O desenrolar do conto? só no próximo capítulo. 
Bom dia!*****