quarta-feira, 29 de setembro de 2010

Doces alegrias*


Um tempo que vai longe... Um tempo onde tudo parecia bom e cada sonho tinha uma especial doçura. Longe vai o raio de Sol que gerou o tempo... E como disse tão bem Caetano Veloso: “És um senhor tão bonito quanto a cara do meu filho... Tempo, tempo, tempo, tempo... Faço um acordo contigo: tempo, tempo, tempo, tempo...”.

Assim, entre o calendário e as lembranças, "cá" estou numa tarde morna, ainda saindo do pós-dengue... E detive-me a pensar no efeito dos dias sobre o homem; em como tudo é. E apenas com o passar dos anos, sem aquela euforia própria da mocidade, onde tudo nos parece infinitamente "infinito", lá, naquela viagem que fazemos naturalmente, a busca da realização, a fé no outro, o amor para sempre, o nome do primeiro filho, a faculdade concluída, a primeira viagem a tão sonhado país (seja ele qual for), o emprego, o casamento... Enfim... Tudo nos parece fazer crer no acontecimento. "Agora" aquele instante em que temos a mera ilusão do timão da besta vida.

Não, não estou deprimida. Estou é feliz pela certeza de que o tempo tudo ajeita, tudo molda; na medida em que ele vai passando por nós, ou... Nós por ele... Difícil é fazer tal comparação, não há no homem o domínio sobre o seu desgaste inevitável, a sua vaidade se esvai de qualquer maneira; nada permanece, nada vira estátua... Costumo dizer para os amigos que, por vezes, me chegam aflitos com ou, sem razão, a eles digo na busca de socorrê-los do seu momento de dor, do medo, da insegurança, esta luta vã que nos acode para mostrar que somos frágeis diante do dragão. Então, olho nos olhos do amigo aflito e numa tentativa de socorrê-lo, digo: problemas não criam mofo. Verdadeiramente não criam é óbvio, mas somos tão frágeis, bichinhos encolhidos diante das emoções que nos arrastam ao inseguro instante que nos joga contar os mares da vida.

Com o passar dos tempos, nos tornamos naturais herdeiros da segurança. Os sonhos agora são tingidos de verdades tão amigas como: o amor não é para sempre, os sonhos são substituídos por realidades sonhadas, as alegrias permanecem sem serem como nos contos de fadas, os amigos continuam amigos - mas deles não sabemos as estradas -, lembramos, com felicidade, um tempo lindo vivido e que sem ele não há biografia. O espelho nos diz com total segurança que o que vale é o que foi vivido e sentido, nada além do que se dá e se recebe... O que passou não passou apenas, nos deixa a certeza das experiências e um grande conforto na alma, uma calma que só se alcança, mesmo, com o santo tempo... Bem, é possível que para muitos o tempo tenha trazido apenas rugas ou rusgas, isso também é possível. Claro que sinto saudades de certos momentos vividos, lembranças felizes não faltam: pessoas que amamos e não damos aquele abraço que queremos ainda dar, o segredo que a ninguém revelamos... É assim a bendita vida para quem se deu e quem se dá. "Quem nunca curtiu uma paixão, nunca vai ter nada não", já disse o nosso poetinha... Sou grata ao tempo que tudo nos dá: das dores, as experiências; das tristezas, o aprender a sorrir; dos amores, as incertezas que nos fazem fortes; da criança, o homem; da mãe, avó... E... Já é quase noite, dou-me conta do tempo, que é bendito sempre... Feliz é o homem para quem o tempo passou, sem deixá-lo triste, sem deixá-lo amargo. Preciso declarar que o tempo só me fez melhor... Como um velho vinho... Um apurado sabor, um definido aroma, e me debruço sobre ele com uma certeza: bendito seja o tempo, que nos traz as noites, que nos traz os dias e com suas horas, no seu tique-taque, doces alegrias...

(Ednar Andrade).