quinta-feira, 22 de novembro de 2012

Livro









"Vai passar, eu sei que vai passar"
(Caio Fernando Abreu).


Respiro profunda e inutilmente
E balbucio um texto
("Vai passar, eu sei que vai passar")
Mas eu apenas
Balbucio;
Certeza que passa,
Não tenho.
Preciso comer este texto
Para alimentar a esperança
Que não tenho
E, dizendo a mim mesma,
Tudo passa, inclusive
Eu
Que sigo...
Olhos abertos;
Peito fechado;
Punho cerrado.
Em certos pontos da vida,
Somos como um livro jogado.
Uma história,
Digamos,
Até interessante...
Mas, largado num canto,
Lá está:
Esquecido, empoeirado
E dentro dele
Toda história,
Todos os silêncios,
Todas as exclamações
E uma inútil interrogação
Insiste
Em contar fatos.
Suas verdades
São como contos
Mal-assombrados
Bizarros,
Macabros.
Um dedo na narina;
Outro na ferida.
Assim, respira
Um livro fechado.
Uma porta,
Duas insinuações de janela,
Uma caixa com fendas
E uma teimosa alma
insistindo em vazar pela fresta.
O dia dorme;
A noite acorda.
Feito de contrastes,
O relógio parece querer enganar
O tempo veloz
Que,
Irreverente, nada tem a ver
Com a indiferença
Que permeia
O desabitado
Mundo meu.
Feriado é como dia de enterro:
Morto,
Posto entre as paredes
E a luz fluorescente
E através das escadas sujas,
Mal postas que me dão acesso
Às batidas do coração,
Implodo
Numa busca que me parece inútil
E é inútil tentar
Fazer e dar sentido
Ao que está morto.
É inútil adoçar o café,
Mastigar o pão.
Inútil é, também,
Abrir os braços
Para doar
E pedir abraço.
(Há braços estendidos
Que abraçam apenas o vão
E mãos vazias de corpos gelados
Que desfiam sorrisos vagos).
... Não quero me enganar;
Não gosto da mentira.
Dela tenho total pavor,
Mas a feia verdade é bela,
Penso nela
Como alguém que num deserto ]
Entende
Que a verdade é:
Ainda posso respirar,
Mesmo que por uma narina.
Passar, talvez, não passe.
Mas, deixará nos pés feridos, calejados
De quem pisa em brasa,
De quem beija espinhos,
Marcas,
Como troféus
E dentro das feridas,
Um livro jogado, esquecido
Entre a poeira e o sangue.

(Ednar Andrade).

quinta-feira, 8 de novembro de 2012

Silêncio de caboclo


   ("O Caipira", de Almeida Júnior).

Sentado, naquela pedra,
O caboclo chora e sonha;

Sentado, naquela pedra,
O caboclo chora e ri;

Depois, como quem come,
Faz um cigarro e pita

E brinca de que acredita
No que a vida faz sentir.

Sentado, naquela pedra,
O caboclo, para ninguém, mágoas, conta

E o vento, apenas o vento,
Passa e lhe sorri.

Depois o cigarro apaga,
O caboclo engole a mágoa...

Cospe, olha em volta,
E deitado, naquela pedra,...

Olha pro céu... Assovia...
Faz dela, cama macia;

Cobre-se de desencanto, encolhido no seu canto,
Olha o sol...; já é dia.

(Ednar Andrade).


sábado, 3 de novembro de 2012

Amanheceu...



Amanheceram noites e sombras
... E desde então todas as noites são espera,
São versos que compomos
De saudades e quereres tristes e sós.

Amanheceu...
E eu te amo muito mais.
- seguimos as noites dentro do sonho
Abertos ao sonhar.

A noite é como um navio,
Como o leito de um rio
Se esvaindo na busca da correnteza
Com toda desventura da escuridão.

- meu ser solitário,
Tristonho em desabrigo
Busca no desvario que componho
Um pequeno gesto teu.

Como leve brisa,
Estrelas vagueiam na noite; sonho,
Buscando no nada,
Esquecidos carinhos.

Meu sorriso é raro...
Meus cabelos soltos
Exalam perfume, como um dueto,
Sou eu o vento; és ninguém.

(Ednar Andrade).

Onírico

    (Maia Flore, na série Sleep Elevation).

Acho que sonhei
Um sonho que não lembro agora,
Mas acordei sentindo um gosto,
Não sei se feliz,
Amarga-me a boca
Pesam-me os ombros e o corpo.

Acho que sonhei,
Mas não me lembro
Do haver sonhado.
Era algo que me tira
A calma ou me deixa
À flor da palma.

Não sei, não me lembro agora,
A que objeto entreguei o meu cansaço;
A que fragilidade expus minh’alma;
Em que momento viajei
Nas vastas asas.
Acordei, não sei...

(Ednar Andrade).