quarta-feira, 26 de setembro de 2012

Canto para sonhar



Silêncio, por favor.
Não vês que o príncipe dorme?

Silêncio, por favor.
É dia, mas para ele é noite,
Não vês que a noite raiou?

E agora sonha...
zzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzz
Em seu sonhar ele desfia
Sonhos coloridos.

Silêncio
Por favor, não cante
Por favor, não fale.

Mais uma vez,
Por favor,
Não o incomodem,
Acomodem-se.

O príncipe dorme.

(Ednar Andrade).

segunda-feira, 24 de setembro de 2012

Histórias para Julinha


   (Foto do meu arquivo).

Ela ouvia atentamente, enquanto degustava o ovo mexido com total desinteresse. Dedinhos frágeis, mãos expressivas, inteligência em permanente ebulição.

Seus olhos giravam e criavam imagens que aquarela alguma podia trazer de volta. Ela parecia flutuar. Ouvia atentamente... Com a mãozinha sob o queixo, olhinhos inchados, pois acabara de acordar.

– Vó, hoje é domingo?
– Gosto das manhãs de chuva.
– É tão bom estar aqui, tomar café e conversar, acordar com você...
– Nas manhãs chuvosas sinto algo que não sei dizer.
–Parece que tem uma saudade, mas também não sei do que.
– Vovó, fale da vida, conte-me sua história.
– Conte vó, conte mais.
– Você vai contando e eu vou tomar café.

Mas eu tentava, com toda dedicação de uma avó, que quer dar de presente a uma criança, uma história verdadeira. As manhãs chuvosas sempre trazem, aos mais antigos e aos pequeninos, um doce perfume que exala memórias, faz renascer histórias, faz rebuscar o que foi vivido.

Há todo um fascínio, toda uma magia que mesmo sendo suaves ou duras verdades, trazem consigo um toque de fantasia, como nos contos de fadas, um lúdico agora, que nos vem no vento, como lembrar do cheiro do café quentinho, feito no fogão à lenha, aquele pão com manteiga que, da sala, dava para sentir o perfume da manteiga, quase o crocante do seu assado e seguimos no nosso café, entre pausas e questionamentos e perguntas. Ela ficava espantada. Seus olhos amendoados e castanhos tomavam forma de interrogação.

E tudo começou, porque em algum momento, algo precisava ser contado para que ela comesse aquele ovo. Então lhe falei dos tempos da minha infância, contava-lhe como era difícil e ao mesmo tempo bela, a vida, mesmo com todas as suas dificuldades, dentro de todo um contexto que hoje só para quem prefere o simples, continua sendo bom, continua sendo vida. Perguntava-me com curiosidade natural sobre todas as suas dúvidas e eu ia lhe respondendo com a paciência das avós.


Então narrei pequenos tópicos desta minha estrada (vida), contei-lhe como eram as noites, o que faziam as crianças depois do jantar, as brincadeiras na rua. Contei-lhe que as crianças cantavam cantigas de roda, como “ciranda, cirandinha, vamos todos cirandar”, contei-lhe que em minhas noites, mesmo não havendo perigo, mesmo podendo brincar nas ruas, as brincadeiras como amarelinha, garrafão e melancia, prenda e tantas outras, em algumas noites a festa era particular.

– Particular, como particular vovó?
– Particular, porque nestas noites não havia brincadeiras nas calçadas. Na sala da minha casa reuníamos com alegria, cantando e tocando. Haviam instrumentos musicais: violão, acordeon e escaleta. Fazíamos nosso próprio sarau e cantávamos as canções mais doces. Assim passávamos as noites, tínhamos nossa própria festa. Ela suspirava...

 E o seu olhar doce e meigo parecia viajar, enquanto a sua curiosidade aumentava.

– Vó, e o que se fazia quando não existia internet?
– Vó, e como passava um recado urgente, quando não tinha celular?
– Esperava, Julinha.
– Sim, vó, mas se a notícia era urgente?

Falei-lhe, então, dos telegramas, das cartas, que tantas vezes perdiam-se em sua trajetória. Perguntas quase sem fim brotaram do seu olhar, que as minhas tantas respostas não conseguiam-lhe saciar.

Julinha comeu o ovo... Rsrsrs... E como toda criança, olhou para mim, de repente, e disse:

– Vou brincar.
– Mas, vó, antes de ir quero dizer uma coisa:
– Queria tanto ter nascido em seu tempo, ser como você e saber histórias para lhe contar.

E foi arrumar as suas bonecas, distraída e feliz.

(Ednar Andrade).   

domingo, 16 de setembro de 2012

Desaporta



As horas mortas
Que penso em ti
São como fardos,
Oh! Vida tola!

Teus rios mortos
São leitos frios, tortos...,
Onde correntes
Ao nada levam...

Os dias vagos
De águas tortas,
Sortes, torturas
Te batem forte.

És nau, és não,
És hoje, amanhã talvez.
Oh! Vida! Oh! Porta!
O que importa, desaporta.

Vem, nem sei se volta.
Teus “sims” - nunca sãos -
São badaladas,
Interrogação.

(Ednar Andrade).

domingo, 9 de setembro de 2012

Alma minha gentil, que te partiste


   ("Camões", por Fernão Gomes).

Alma minha gentil, que te partiste
Tão cedo desta vida, descontente,
Repousa lá no Céu eternamente
e viva eu cá na terra sempre triste.

Se lá no assento etéreo, onde subiste,
Memória desta vida se consente,
Não te esqueças daquele amor ardente
Que já nos olhos meus tão puro viste.

E se vires que pode merecer-te
Alguma cousa a dor que me ficou
Da mágoa, sem remédio, de perder-te,

Roga a Deus, que teus anos encurtou,
Que tão cedo de cá me leve a ver-te,
Quão cedo de meus olhos te levou.

Luís Vaz de Camões
(1524-1580)

Nenhum lugar



É nato em mim
Este desejo de amar,
De ser somente,
Apenas, sem nada
Perguntar, pedir ou querer.

É como um caudaloso rio
Que desce e se espalha
Por entre tudo e todos.
É como a chama e o fogo
Que consomem e tudo queimam,

É como um vago que não habito
E estou.
É como um riso que choro
E dou.
É como a quietude...

Que acolhe e faz pensar.
É como a guerra
Que mata e faz recomeçar.
Há em mim uma estrada
De abismos natos

Entre espinhos, flores e abstratos.
Uma seta que me leva
A nenhum lugar
E volto somente
Para te encontrar.

(Ednar Andrade).  

Canto de sal



Dançam folhas,
Dizem versos
E eu esqueço
A dor do tempo.

Esqueço de lembrar
O desencanto
Neste balanço
E encanto.

Que a morna tarde
Me dá.
Murmuram as ondas
E o canto de sal,

Vindo do mar
E o meu coração atento
Descansa neste velejar.
A vida é verde

Nesta ilha azul,
Onde a dor se esvai
No meu canto azul.
Mata quem me mata

E desmata os sonhos
Que silencio.
São como afagos
Na minha pele

Ansiando pelo sol perdido.
Todos repousam
Em diversas cores
E sonhos,

Mas eu bebo,
Na taça,
Um brinde calado
Ao que permanece vivo.

E quero
E espero
Em tardes
E pores-do-sol.

- lentos sóis -,
Serenas noites
Antes, nunca,
Tarde.

(Ednar Andrade).

Fugitiva



Todos dormem.
A quietude é como lei.
Eu burlo este sussurro,
O pensamento
E a razão.

Tudo sossega...
No meu desassossego,
Habito o deserto
Da desarmonia.
A vida parece um filme,

Onde assisto
O desenrolar
Do imperfeito
Sentido meu.

Há um descompasso
Que sigo passo-a-passo.
Há uma incerteza
Que me impulsiona
Para a certeza que me habita.

Não há guerra.
Há, apenas
E tão somente,
Uma certeza latente

De que tudo é
Quando não parece ser e estar.
E eu, fugitiva
Dos mais vários sentimentos,

Refugio a agônica
Alma transcendente
No que calo
Para suportar.

(Ednar Andrade).

sexta-feira, 7 de setembro de 2012

Poesia



diante da palavra
espelho arte fato
fazer-se verbo
o deus em cada
oração sem sujeito
nem silêncio
em busca de quem ouça
além de mim
ecos de ecos
primeira vez
norma riscos
porque poesia
seção descontínua
seleção cultural
aprender no em si no
era uma vez
talvez outra
navegar o nunca

(Marcos Silva).

quinta-feira, 6 de setembro de 2012

Primavera Azul



Daria a ti o azul turquesa que nos fascina
E as flores desta nova primavera,
Seriam, sim, feitas de todos os tons de azul...
E da verde esperança que alimenta nossa espera.

É mais uma vez primavera
E o lilás, ainda enfeita a memória das últimas orquídeas...
Dos últimos sorrisos, os sons dos florais... Segredos nossos...
Sussurram na espreita do amanhecer cheio de sóis...

Giram Sóis - em sonhos - dourando as tarde e os seus fins...
A natureza espera pela aurora que virá,
Trazendo o perfume de cada sonho e o sal de cada dor sentida.
...E o oceano será sempre nosso amar...

O primeiro dia será sempre o impulso vital para as novas floradas,
As incertezas e o tempo; uma busca infinita do real...
E entre o mar e seus tons verde e turquesa, uma única certeza:
Sépia, nunca será a cor da primavera nossa.

(Ednar Andrade).

sábado, 1 de setembro de 2012

Homenagem póstuma

Adeus sem despedida



(Francisco Balbino da Costa: 1926 - 31.082012).

Não foi o Sol que te assistiu quente;
Foi a Lua que se despediu de ti
E te entregou de volta à mãe natureza.
Naquela tarde tua garganta não cantou,
Tua boca não sorriu,
Tuas mãos não acenaram,
Não respondestes ao adeus.
Naquela tarde eu voltei só
E te deixei ali para nunca mais voltar.
Levastes contigo os teus segredos,
Levastes do meu coração os anseios
Todas as saudades sentidas,
Todos os desejos não realizados.
Deixastes em mim
Esta saudade sem fim
E o meu olhar se despediu de ti junto com a Lua
E do teu amor minha alma ficou nua
E por tua ausência vou sempre chorar.

(Ednar Andrade).