sábado, 11 de junho de 2011

A lenda do rouxinol


“Quem ama, liberta” 
(Ednar Andrade).
  
Conta uma antiga lenda chinesa que certo dia o Imperador, passeando pelos jardins do palácio, ouviu cantar um rouxinol. E era tão lindo o seu canto, que as cores pareciam tornar-se mais vivas e o mundo mais belo.

Encantado, determinou que o pássaro fosse capturado e levado ao palácio, para que pudesse ouvi-lo cantar em todas as horas do dia; e que os mais hábeis artesãos recebessem os metais mais preciosos e as gemas mais raras, para que pudessem construir a mais rica gaiola que já se viu neste mundo.

Assim se fez. E ao pássaro extraordinário foi reservado um local de honra no palácio, onde a esmerada iluminação fazia refulgir todo o esplendor da magnífica gaiola.

Entretanto, o rouxinol definhava a cada dia. As suas penas, antes brilhantes e vistosas, tornaram-se opacas e nunca mais se ouviu o seu canto. Em vão, ordenou o Imperador que lhe fossem trazidos os mais atraentes e saborosos petiscos, que com as próprias mãos ofertava ao pássaro amado.

Um dia, o rouxinol fugiu. E nem todos os emissários do império, enviados pela China inteira, foram capazes de encontrá-lo novamente.

Então a tristeza dominou o Imperador, minando as suas forças. E em pouco tempo viu-se o poderoso regente preso ao leito, dominado por misteriosa e persistente doença, contra a qual de nada adiantavam os remédios receitados pelos maiores médicos do mundo, que para curá-lo foram chamados.

E veio uma madrugada em que, em meio ao delírio da febre, julgou o Imperador ver ao pé de seu leito o rouxinol. Queixou-se, desvairado:

- Ingrato, eis que te dei tudo de mim! Dei-te a gaiola mais rica que jamais existiu, o melhor lugar do palácio e até mesmo os melhores petiscos do mundo, com as minhas próprias mãos! Eu te amava e mesmo assim me abandonaste!

Respondeu-lhe o rouxinol:

- Dizes que me amavas... e mesmo assim era mais importante a tua vaidade. Para que todos pudessem ver e ouvir o pássaro maravilhoso que possuías, me encerraste em uma gaiola, ao teu lado, privando-me de tudo que eu mesmo amava.

Julgas, acaso, que a gaiola mais rica possa substituir a beleza e a imensidão do céu? Ou que os esplendores do palácio me sejam mais agradáveis que voar livre entre as flores, vendo a sua beleza e respirando o seu aroma, sentindo o calor do sol e o orvalho fresco da manhã?

Certo é que me alimentaste com as tuas mãos e que para mim procuraste os petiscos que melhores julgavas. Mas como podes acreditar que me fossem mais saborosos que os alimentos por mim mesmo escolhidos e por meu próprio bico colhidos?

Porém, não me cabe julgar-te. Sei que é assim entre os homens; o que chamais amor não é senão a satisfação das vossas vontades. Em nome do que dizeis sentir, buscais acorrentar a vós aquele que jurais amar; e não acreditais que alguém vos ame, a menos que se curve a vossos desejos, esquecendo as suas próprias necessidades. O que chamais “dor de amor” é, na verdade, o vosso egoísmo contrariado.

Deixa-me, apenas, mostrar-te o que é o amor. Porque, embora os emissários que enviaste para capturar-me não me tenham encontrado, eu jamais me afastei de ti; escondi-me em um arbusto do jardim, de onde às vezes podia ver-te, sem que me visses. E renunciei ao canto, que me denunciaria, para desfrutar da liberdade.

Entretanto retorno, agora que precisas de mim. E apenas te peço que não tentes prender-me, ou o amor se perderia na revolta. É certo que não estarei contigo todo o tempo que quiseres, mas hás de ouvir-me sempre que me for possível. Deixa-me cantar para ti porque te amo, não porque assim o desejas!

Raiava o dia. E o Imperador, já melhor da febre que o castigara, julgou ouvir um som maravilhoso que se espalhava pelo quarto, trazendo de volta a alegria e as cores da vida. Abriu os olhos para a luz do amanhecer, como se os abrisse para a esperança.

No parapeito da janela, cantando como nunca, estava o rouxinol.

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