segunda-feira, 31 de março de 2014

Nada é igual


Aquilo fazia parte natural de um cenário vivo.

Cada centímetro de memória brota ainda nos finais de tarde, como um azulejo, na parede do quintal, os minutos espreitam a hora mais suave da Ave Maria*


O Sol parecia nos convidar para uma festa, acompanhados pela passarada, ouviam-se todos os cantos.


Do bem-te-vi ao rouxinol, uma festa ardia, numa melódica canção de pi, pi, pis… Uma algazarra rotineira, por toda parte. Aguardo a noite, que logo virá como nos romances entre folhas secas e florais em sépia.


Sentados como parte da paisagem, olhando em volta os pequenos ruídos e murmúrios das águas da lagoa, observávamos a natureza sabiamente pintando o céu em tons de azul e vermelho, tingindo de outonais cores e brilhos, o anoitecer.

…………….

Respiro, sentindo na boca um sabor delicioso de pitangas maduras. As cercas são feitas de avelós, não existem portas, nem trancas em nenhuma parte.


Tudo é tão simples, tudo tão sereno, a mata vai silenciando e trazendo, no vento, um cheiro doce das mangabas caídas entre as folhas cor de sonho (sépia) por toda parte, e um prolongado canto de cigarras a ciciarem, elegem o canto da última sabiá buscando no ninho, o aconchego dos filhotes.


Agora a calmaria quase me mata e morre em meu silêncio, sou como uma prece que faço sem dizer palavra, apenas com o olhar quase em mantra, me aquieto também.


Não fico triste, mas a estes momentos, guardo um sentir tão profundo, um respeito de quem vê a mãe no abraço do anoitecer. E penso com um sorriso de felicidade em tudo que permanece como está, mesmo quando não estou por cá.


Puxo uma cadeira e sento-me, agora estou no meu abandonado jardim. As flores andam desbotadas e tão frágeis, como quem sente falta dos olhares que as faz serem belas. O jasmineiro morreu, as orquídeas resistentes aguardam uma nova primavera.

Uma taça de vinho, quem sabe outra…


A natureza desnuda com desvelo e graça as fruteiras do quintal e um cheiro de folhas molhadas, pela última chuva, anuncia um novo outono; tudo é como antes e nada é igual.


Olhei, buscando algumas imagens, como quem garimpa uma pepita de saudade. Ela está em toda parte, onde todos os detalhes estão postos como num cenário projetado para sonhar.

(Ednar Andrade).