quarta-feira, 29 de setembro de 2010

Doces alegrias*


Um tempo que vai longe... Um tempo onde tudo parecia bom e cada sonho tinha uma especial doçura. Longe vai o raio de Sol que gerou o tempo... E como disse tão bem Caetano Veloso: “És um senhor tão bonito quanto a cara do meu filho... Tempo, tempo, tempo, tempo... Faço um acordo contigo: tempo, tempo, tempo, tempo...”.

Assim, entre o calendário e as lembranças, "cá" estou numa tarde morna, ainda saindo do pós-dengue... E detive-me a pensar no efeito dos dias sobre o homem; em como tudo é. E apenas com o passar dos anos, sem aquela euforia própria da mocidade, onde tudo nos parece infinitamente "infinito", lá, naquela viagem que fazemos naturalmente, a busca da realização, a fé no outro, o amor para sempre, o nome do primeiro filho, a faculdade concluída, a primeira viagem a tão sonhado país (seja ele qual for), o emprego, o casamento... Enfim... Tudo nos parece fazer crer no acontecimento. "Agora" aquele instante em que temos a mera ilusão do timão da besta vida.

Não, não estou deprimida. Estou é feliz pela certeza de que o tempo tudo ajeita, tudo molda; na medida em que ele vai passando por nós, ou... Nós por ele... Difícil é fazer tal comparação, não há no homem o domínio sobre o seu desgaste inevitável, a sua vaidade se esvai de qualquer maneira; nada permanece, nada vira estátua... Costumo dizer para os amigos que, por vezes, me chegam aflitos com ou, sem razão, a eles digo na busca de socorrê-los do seu momento de dor, do medo, da insegurança, esta luta vã que nos acode para mostrar que somos frágeis diante do dragão. Então, olho nos olhos do amigo aflito e numa tentativa de socorrê-lo, digo: problemas não criam mofo. Verdadeiramente não criam é óbvio, mas somos tão frágeis, bichinhos encolhidos diante das emoções que nos arrastam ao inseguro instante que nos joga contar os mares da vida.

Com o passar dos tempos, nos tornamos naturais herdeiros da segurança. Os sonhos agora são tingidos de verdades tão amigas como: o amor não é para sempre, os sonhos são substituídos por realidades sonhadas, as alegrias permanecem sem serem como nos contos de fadas, os amigos continuam amigos - mas deles não sabemos as estradas -, lembramos, com felicidade, um tempo lindo vivido e que sem ele não há biografia. O espelho nos diz com total segurança que o que vale é o que foi vivido e sentido, nada além do que se dá e se recebe... O que passou não passou apenas, nos deixa a certeza das experiências e um grande conforto na alma, uma calma que só se alcança, mesmo, com o santo tempo... Bem, é possível que para muitos o tempo tenha trazido apenas rugas ou rusgas, isso também é possível. Claro que sinto saudades de certos momentos vividos, lembranças felizes não faltam: pessoas que amamos e não damos aquele abraço que queremos ainda dar, o segredo que a ninguém revelamos... É assim a bendita vida para quem se deu e quem se dá. "Quem nunca curtiu uma paixão, nunca vai ter nada não", já disse o nosso poetinha... Sou grata ao tempo que tudo nos dá: das dores, as experiências; das tristezas, o aprender a sorrir; dos amores, as incertezas que nos fazem fortes; da criança, o homem; da mãe, avó... E... Já é quase noite, dou-me conta do tempo, que é bendito sempre... Feliz é o homem para quem o tempo passou, sem deixá-lo triste, sem deixá-lo amargo. Preciso declarar que o tempo só me fez melhor... Como um velho vinho... Um apurado sabor, um definido aroma, e me debruço sobre ele com uma certeza: bendito seja o tempo, que nos traz as noites, que nos traz os dias e com suas horas, no seu tique-taque, doces alegrias...

(Ednar Andrade).


terça-feira, 28 de setembro de 2010

Análise louca




São felizes os loucos?
Não sei se são ou se sou uma
Ou se o louco é o bom.
Somos nós os loucos?
Somos nós os loucos.
Viver é arte “disse”,
Não sei quem...
Arte é profissão,
E um dia me aposento!
Disse um amigo louco.
E como era lindo ...
Vê-lo falar só (sozinho).
Seu sorriso largo, de luz,
Todo bordado.
Não há nada errado:
O louco é feliz.
Parece criança
E qual a criança que não é feliz?
Acho que todas são.
E eu quero ser louca
No dia que a sexta ultrapassar o sábado,
Me disse outro louco,
Olhe a confusão...
Achas que sou louca?
Eu... Não acho não.

(Ednar Andrade).


sábado, 25 de setembro de 2010

Ilhota


É verdade, confesso;
Que, quando à noite,
Os olhos fecho,
Minha alma se muda...

É verdade confesso, não me importo;
Toda magia, encanto,
Tudo naquele canto,
Cheio de encantos...

É verdade que, na minha rede,
Na minha varanda, olho o céu
E quando não estou lá,
Sinto uma saudade intensa...
Tão grande, é mesmo imensa...

Se estou aqui; minha alma, lá;
Se olho o céu e vejo a Lua
Sinto-me como ela, tão nua...
Longe daquele lugar.

É verdade, não mentiria:
Sou do mato, sou da Relva
Das lagoas, dos rios...
À noite me arrepio.

Sinto saudade da festa,
Do silêncio e do ar...
Do cheiro, da mata verde...
Esta ausência me maltrata.

Quero ficar; voltar não!
É verdade que na Lagoa,
Minha alma fica à-toa,
Encantada do Luar

Ai como é tudo verdade...
Como tudo é saudade...
Na minha mata tão verde...
Dos grilos, dos pirilampos...

O coaxar dos sapos,
Das Aves, o canto.
Meu Deus! Em mim há tanta saudade...
Não sei viver noutro lar.

(Ednar Andrade).

* Ilhota – Pirangi do Sul

quinta-feira, 23 de setembro de 2010

Doce Primavera



Aí, vindo do lado de fora, um barulho que não se reconhece. Olho, tento entender. Não preciso, pois nada é além do dia que começa.

Pessoas, rotinas, lutas, alegrias ou não! Mas, ainda tento dormir.

Vêm-me pensamentos vários, reluto, me ajeito, fecho mais e cada vez mais os olhos... Rs... Bobagem, é hora de acordar.

Saio enfim da cama, passo pela sala, faço um café, carrego para a sala enquanto tomo.

Leio um texto na página de um amigo, e me dou conta de que já é Primavera (Primavera... Sorrio*). Sorrio por que sei que, para muitos, ainda é inverno, com dias cinzas e opacos.. Ausência total de luz (alegria), sonhos congelados.

Faltam-lhes flores, faltam-lhes verde, esperanças e amor e "liberdade".

E para não dizer que não falei das flores, penso numa canção na qual Beto Guedes diz: “Sol de Primavera... Abre a janela do meu peito... A lição já temos de cor, só nos resta aprender (...)”

Que venha nos trazer Sol de Primavera, *Doce Primavera*.

(Ednar Andrade).


terça-feira, 21 de setembro de 2010

Uma história



Desliza no ar um véu cinzento,
Em algum lugar toca um sino…
“Toca um sino”!
Um homem faz a mochila,
Uma mulher passa o café,
Uma criança pede a mamadeira,
Muitos sobem uma ladeira,
Outros descem na volta,
As máquinas vão silenciando,
Despede-se o operário,
O mestre reserva as ordens…
O gato cochila e dorme…
Ou mia comemorando a noite que já vem vindo.
O gado muge enfadado…
Os animais se aconchegam.
Agora o véu é mais denso,
E a moça então se perfuma, sente-se mais bonita.
O rapaz assobiando caminha pensando na namorada,
As escolinhas vazias ficam sem a criançada…
É que está vindo num açoite, silenciosa, a noite…
E eu fico mais inspirada.


(Ednar Andrade).

sábado, 18 de setembro de 2010

Sem inspiração



Poesia sem rima,
Desejo, solidão...
Oposto ou contrastes;
Erros ou acertos;
Meu errôneo devaneio;
Meu anseio;
Meu contrário;
E tudo, nada principia.
O corpo, o resto e o calado;
O segredo, o dito e o silenciado.
Nada rima ao condenado.
O doce ou o amargo;
A treva ou a luz;
A leveza ou a cruz.
Nada rima ou faz poesia
Nem a nossa fantasia,
Nem o vento,
Nem a ironia,
Juntaria os separados.
Poesia sem emoção.
Reticências... Nada a mais.

(Ednar Andrade).

Perda




“A dor de perder alguém em vida é pior do que a dor da morte, porque é o nunca mais de alguém que se poderia ter, já que está vivo e por perto”.

(Caio Fernando Abreu).


sexta-feira, 17 de setembro de 2010

Carta ao Zézim




Carta ao Zézim
Porto, 22 de dezembro de 1979

Zézim,


cheguei hoje de tardezinha da praia, fiquei lá uns cinco dias, completamente só (ótimo!), e encontrei tua carta. Esses dias que tô aqui, dez, e já parece um mês, não paro de pensar em você. Tou preocupado, Zézim, e quero te falar disso. Fica quietO e ouve, ou lê, você deve estar cheio de vibrações adeliopradianas e, portanto, todo atento aos pequenos mistérios. É carta longa, vai te preparando, porque eu já me preparei por aqui com uma xícara de chá Mu, almofada sob a bunda e um maço de Galaxy, a decisão pseudo-inteligente.

Seguinte, das poucas linhas da tua carta, 12 frases terminam com ponto de interrogação. São, portanto, perguntas. Respondo a algumas. A solução, concordo, não está na temperança. Nunca esteve nem vai estar. Sempre achei que os dois tipos mais fascinantes de pessoas são as putas e os santos, e ambos são inteiramente destemperados, certo? Não há que abster-se: há que comer desse banquete. Zézim, ninguém te ensinará os caminhos. Ninguém me ensinará os caminhos. Ninguém nunca me ensinou caminho nenhum, nem a você, suspeito. Avanço às cegas. Não há caminhos a serem ensinados, nem aprendidos. Na verdade, não há caminhos. E lembrei duns versos dum poeta peruano (será Vallejo? não estou certo): “Caminante, no hay camino. Pero el camino se hace ai anda”.

Mais: já pensei, sim, se Deus pifar. E pifará, pifará porque você diz ”Deus é minha última esperança”. Zézim, eu te quero tanto, não me ache insuportavelmente pretensioso dizendo essas coisas, mas ocê parece cabeça-dura demais. Zézim, não há última esperança, a não ser a morte. Quem procura não acha. É preciso estar distraído e não esperando absolutamente nada. Não há nada a ser esperado. Nem desesperado. Tudo é maya / ilusão. Ou samsara / círculo vicioso.

Certo, eu li demais zen-budismo, eu fiz ioga demais, eu tenho essa coisa de ficar mexendo com a magia, eu li demais Krishnamurti, sabia? E também Allan Watts, e D. T. Suzuki, e isso freqüentem ente parece um pouco ridículo às pessoas. Mas, dessas coisas, acho que tirei pra meu gasto pessoal pelo menos uma certa tranqüilidade.

Você me pergunta: que que eu faço? Não faça, eu digo. Não faça nada, fazendo tUdo, acordando todo dia, passando café, arrumando a cama, dando uma volta na quadra, ouvindo um som, alimentando a Pobre. Você tá ansioso e isso é muito pouco religioso. Pasme: acho que você é muito pouco religioso. Mesmo. Você deixou de queimar fumo e foi procurar Deus. Que é isso? Tá substituindo a maconha por Jesusinho? Zézim, vou te falar um lugar-comum desprezível, agora, lá vai: você não vai encontrar caminho nenhum fora de você. E você sabe disso. O caminho é in, não off. Você não vai encontrá-lo em Deus nem na maconha, nem mudando para Nova York, nem.

Você quer escrever. Certo, mas você quer escrever? Ou todo mundo te cobra e você acha quetem que escrever? Sei que não é simplório assim, e tem mil coisas outras envolvidas nisso. Mas de repente você pode estar confuso porque fica todo mundo te cobrando, como é que é, e a sua obra? Cadê o romance, quedê a novela, quedê a peça teatral? DANEM-SE, demônios. Zézim, você só tem que escrever se isso vier de dentro pra fora, caso contrário não vai prestar, eu tenho certeza, você poderá enganar a alguns, mas não enganaria a si e, portanto, não preencheria esse oco. Não tem demônio nenhum se interpondo entre você e a máquina. O que tem é uma questão de honestidade básica. Essa perguntinha: você quer mesmo escrever? Isolando as cobranças, você continua querendo? Então vai, remexe fundo, como diz um poeta gaúcho, Gabriel de Britto Velho, “apaga o cigarro no peito / diz pra ti o que não gostas de ouvir / diz tudo”. Isso é escrever. Tira sangue com as unhas. E não importa a forma, não importa a “função social”, nem nada, não importa que, a princípio, seja apenas uma espécie de auto-exorcismo. Mas tem que sangrar a-bun-dan-te-men-te. Você não está com medo dessa entrega? Porque dói, dói, dói. É de uma solidão assustadora. A única recompensa é aquilo que Laing diz que é a única coisa que pode nos salvar da loucura, do suicídio, da auto-anulação: um sentimento de glória interior. Essa expressão é fundamental na minha vida.

Eu conheci razoavelmente bem Clarice Lispector. Ela era infelicíssima, Zézim. A primeira vez que conversamos eu chorei depois a noite inteira, porque ela inteirinha me doía, porque parecia se doer também, de tanta compreensão sangrada de tudo. Te falo nela porque Clarice, pra mim, é o que mais conheço de GRANDIOSO, literariamente falando. E morreu sozinha, sacaneada, desamada, incompreendida, com fama de “meio doida”. Porque se entregou completamente ao seu trabalho de criar. Mergulhou na sua própria trip e foi inventando caminhos, na maior solidão. Como Joyce. Como Kafka, louco e só lá em Praga. Como Van Gogh. Como Artaud. Ou Rimbaud.

É esse tipo de criador que você quer ser? Então entregue-se e pague o preço do pato. Que, freqüentemente, é muito caro. Ou você quer fazer uma coisa bem-feitinha pra ser lançada com salgadinhos e uísque suspeito numa tarde amena na CultUra, com todo mundo conhecido fazendo a maior festa? Eu acho que não. Eu conheci / conheço muita gente assim. E não dou um tostão por eles todos. A você eu amo. Raramente me engano.

Zézim, remexa na memória, na infância, nos sonhos, nas tesões, nos fracassos, nas mágoas, nos delírios mais alucinados, nas esperanças mais descabidas, na fantasia mais desgalopada, nas vontades mais homicidas, no mais aparentemente inconfessável, nas culpas mais terríveis, nos lirismos mais idiotas, na confusão mais generalizada, no fundo do poço sem fundo do inconsciente: é lá que está o seu texto. Sobretudo, não se angustie procurando-o: ele vem até você, quando você e ele estiverem prontos. Cada um tem seus processos, você precisa entender os seus. De repente, isso que parece ser uma dificuldade enorme pode estar sendo simplesmente o processo de gestação do sub ou do inconsciente.

E ler, ler é alimento de quem escreve. Várias vezes você me disse que não conseguia mais ler. Que não gostava mais de ler. Se não gostar de ler, como vai gostar de escrever? Ou escreva então para destruir o texto, mas alimente-se. Fartamente. Depois vomite. Pra mim, e isso pode ser muito pessoal, escrever é enfiar um dedo na garganta. Depois, claro, você peneira essa gosma, amolda-a, transforma. Pode sair até uma flor. Mas o momento decisivo é o dedo na garganta. E eu acho — e posso estar enganado — que é isso que você não tá conseguindo fazer. Como é que é? Vai ficar com essa náusea seca a vida toda? E não fique esperando que alguém faça isso por você. Ocê sabe, na hora do porre brabo, não há nenhum dedo alheio disposto a entrar na garganta da gente.

Ou então vá fazer análise. Falo sério. Ou natação. Ou dança moderna. Ou macrobiótica radical. Qualquer coisa que te cuide da cabeça ou/ e do corpo e, ao mesmo tempo, te distraia dessa obsessão. Até que ela se resolva, no braço ou por si mesma, não importa. Só não quero te ver assim engasgado, meu amigo querido.

Pausa.

Quanto a mim, te falava desses dias na praia. Pois olha, acordava às seis, sete da manhã, ia pra praia, corria uns quatro quilômetros, fazia exercícios, lá pelas dez voltava, ia cozinhar meu arroz. Comia, descansava um pouco, depois sentava e escrevia. Ficava exausto. Fiquei exausto. Passei os dias falando sozinho, mergulhado num texto, consegui arrancá-lo. Era um farrapo que tinha me nascido em setembro, em Sampa. Aí nasceu, sem que eu planejasse. Estava pronto na minha cabeça. Chama-se Morangos mofados, vai levar uma epígrafe de Lennon & McCartney, tô aqui com a letra de Strawberry fields forever pra traduzir. Zézim, eu acho que tá tão bom. Fiquei completamente cego enquanto escrevia, a personagem (um publicitário, ex-hippie, que cisma que tem câncer na alma, ou uma lesão no cérebro provocada por excessos de drogas, em velhos carnavais, e o sintoma — real — é um persistente gosto de morangos mofados na boca) tomou o freio nos dentes e se recusou a morrer ou a enlouquecer no fim. Tem um fim lindo, positivo, alegre. Eu fiquei besta. O fim se meteu no texto e não admitiu que eu interferisse. Tão estranho. Às vezes penso que, quando escrevo, sou apenas um canal transmissor, digamos assim, entre duas coisas totalmente alheias a mim, não sei se você entende. Um canal transmissor com um certo poder, ou capacidade, seletivo, sei lá. Hoje pela manhã não fui à praia e dei o conto por concluído, já acho que na quarta versão. Mas vou deixá-lo dormir pelo menos um mês, aí releio — porque sempre posso estar enganado, e os meus olhos de agora serem incapazes de verem certas coisas.

Aí tomei notas, muitas notas, pra outras coisas. A cabeça ferve. Que bom, Zézim, que bom, a coisa não morreu, e é só isso que eu quero, vou pedir demissão de todos os empregos pela vida afora quando sentir que isso, a literatura, que é só o que tenho, estiver sendo ameaçada como estava, na Nova.

E li. Descobri que ADORO DALTON TREVISAN. Menino, fiquei dando gritos enquanto lia A faca no coração, tem uns contos incríveis, e tão absolutamente lapidados, reduzidos ao essencial cintilante, sobretudo um, chamado “Mulher em chamas”. Li quase todo o Ivan Ângelo, também gosto muito, principalmente de O verdadeiro filho da puta, mas aí o conto-título começou a me dar sono e parei. Mas ele tem um texto, ah se tem. E como. Mas o melhor que li nesses dias não foi ficção. Foi um pequeno artigo de Nirlando Beirão na última IstoÉ (do dia 19 de dezembro, please, leia), chamado “O recomeço do sonho”. Li várias vezes. Na primeira, chorei de pura emoção - porque ele reabilita todas as vivências que eu tive nesta década. Claro que ele fala de uma geração inteira, mas daí saquei, meu Deus, como sou típico, como sou estereótipo da minha geração. Termina com uma alegria total: reinstaurando o sonho. É lindo demais. É atrevido demais. É novo, sadio. Deu uma luz na minha cabeça, sabe quando a coisa te ilumina? Assim como se ele formulasse o que eu, confusamente, estava apenas tateando. Leia, me diga
o que acha. Eu não me segurei e escrevi uma carta a ele dizendo isso. Não sou amigo dele, só conhecido, mas acho que a gente deve dizer.

Escrevendo, eu falo pra caralho, não é?

Aqui em casa tá bom. É sempre um grande astral, não adianta eu criticar. O astral ótimo deles independe da opinião que eu possa ter a respeito, não é fantástico? A casa tá meio em obras, Nair mandou construir uma espécie de jardim de inverno nos fundos, vai ligar com a sala. Hoje estava pUta porque o Felipe não vai mais fazer vestibular: foi reprovado novamente no 3º colegial. Minha irmã Cláudia ganhou uma Caloi 10 de Natal do noivo (Jorge, lembra?), e eu me apossei dela e hoje mesmo dei voltas incríveis pelo Menino Deus(?). Márcia tá bonita, mais adultinha, assim com um ar meio da Mila. Zaél cozinhando, hoje faz arroz com passas para o jantar.

Povos outros, nem vi. Soube que A comunidade está em cartaz ainda e tenho granas pra receber. Amanhã acho que vou lá.

Tô tão só, Zézim. Tão eu-eu-comigo, porque o meu eu com a família é meio de raspão. Tá bom assim, não tenho mais medo nenhum de nenhuma emoção ou fantasia minha, sabe como? Os dias de solidão total na praia foram principalmente sadios.

Ocê viu a Nova? Tá lá o seu Chico, tartamudeante, e uma foto muito engraçada de toda a redação — eu com cara de “não me comprometam, não tenho nada a ver com isso”. Dê uma olhada. Falar nisso, Juan passou por aqui, eu tava na praia, falou com Nair por telefone, estava descendo de um ônibus e subindo noUtro. Deixou dito que volta dia três de janeiro ou fevereiro, Nair não lembra, pra ficar uns dias. Ficará? E nada acontecerá. Uma vez me disseram que eu jamais amaria dum jeito que “desse certo”, caso contrário deixaria de escrever. Pode ser. Pequenas magias. Quando terminei Morangos mofados, escrevi embaixo, sem querer, “criação é coisa sagrada”. É mais ou menos o que diz o Chico no fim daquela matéria. É misterioso, sagrado, maravilhoso.

Zézim, me dê notícias, muitas, e rápido. Eu não pensei que ia sentir tanta falta docê. Não sei quanto tempo ainda fico, mas vou ficando. Quero escrever mais, voltar à praia, fazer os documentos todos. Até pensei: mais adiante, quando já estivesse chegando a hora de eu voltar, você não queria vir? A gente faria o mesmo esquema de novo, voltaríamos juntos. A família te ama perdidamente, hoje pintaram até uns salseirinhos rápidos porque todo mundo queria ler a matéria do Chico ao mesmo tempo.

Let me take you down
cause I’m going to strawberry fields
nothing is real, and nothing to get hung about
strawberry fields forever 
strawberry fields forever 
strawberry fields forever

Isso é o que te desejo na nova década. Zézim, vamos lá. Sem últimas esperanças. Temos esperanças novinhas em folha, todos os dias. E nenhuma, fora de viver cada vez mais plenamente, mais confortáveis dentro do que a gente, sem culpa, é. Let me take you: I’m going to strawberry fields.

Me conta da Adélia.

E te cuida, por favor, te cuida bem. Qualquer poço mais escuro, disque 0512-33-41-97. Eu posso pelo menos ouvir. Não leve a mal alguma dureza dita. É porque te quero claro. Citando Arantes, pra terminar: “Eu quero te ver com saúde I sempre de bom humor I e de boa vontade”.

Um beijo do

Caio

PS — Abraço pro Nello. Pra Ana Matos, e Nino também.

segunda-feira, 13 de setembro de 2010

Autocídio




Morro-me a cada instante
Da desesperada dor da fome
Morro-me em cada semblante
Que se consome
No desesperado desabrigo
Morro-me nos olhos
Da criança abandonada
Morro-me na juventude drogada
Morro-me no pai sem trabalho
Morro-me no filho sem atalho
Morro-me na mãe
Que se morre na família
Morro-me na falta da floresta
Morro-me quando se morre
O lago,
O riacho,
O rio e o mar 
Morro-me, enfim,
Quando Pandora morre-se
(...e de tanto me morrer a cada instante
Morro-me na palavra que se morre!)

(João Batista do Lago).


Presentinho do meu amigo Ismael.



18:01

 

Ave Maria... Mirai...
E por ele rogai,
Agora que o Sol se vai,
Aqui neste final de tarde.

Ave Maria!
Que as contas deste rosário
Não cabem no meu sentir.
Sufoca-me uma agonia
E caem-me no olhar em gotas
Que não sei contar.

Ave Maria!
Nos vai caindo a tarde.
Esta saudade, de mim toma conta
E invade.

Ave... Maria...
Olho da janela,
Só vejo lembranças
De uma fresca tarde,
Onde me debruço
Neste meu soluço
E teço um terço
De esperança.
Penso que é quase tarde
Para esta longa estrada
Que a escura noite traz.

Ave Maria!
Como ficou triste
Sem você aqui.
Pássaro errante
Voou tão alto
Que caiu no abismo
E partiu as asas.
Voar livre, já não pode.

Ave Maria!
Nestas horas tristes
Em que paro
Num silêncio todo meu
Tira de mim este cálice
De tão amarga aflição
E toma-o em tuas mãos
E me ensina a fazer prece.

Ave Maria!
Maria... Rogai por ele... Rogai
Por ele agora e sempre
Amém.

(Ednar Andrade).


domingo, 12 de setembro de 2010

Talvez precisemos eleger um poeta






Talvez precisemos eleger um poeta.

Alguém que cuide dos interesses de todos, mas que também tenha interesse na benevolência, na paz, no amor, na justiça... Mas as pessoas só sabem rimar bem, quando o assunto é candidato, quando o assunto é guerra, fome, plano do governo, “aqueles bem planejados” que nos têm conduzido ao caos... E poesia, assim como se fosse um trem, tem que andar na linha dos interesses das editoras. Desculpe, aqui não cito nomes, portanto, estou nocauteando a quem de direito. E com isso e por isso, é feio falar de amor, falar de sentimentos, de prazer, de orgasmo, é feio tanta coisa que é bonita... Hoje, lendo aqui no meu blog, um dos blogs que sou seguidora, dei de cara com este texto de Saramago, onde ele - não sei se por alguma necessidade - justificava-se, alegando que não é possível matar o amor:

“Não se pode matar o amor


Eu acredito que o sentimento é como a Natureza. Não podemos, em nome da experimentação, da frieza científica, da objectividade e de todas essas coisas, expulsar o sentimento das nossas preocupações e das obras que vamos escrevendo. O sentimento estará sempre na moda, porque homem e mulher sempre sentirão amor. Não se pode matar o amor. Por isso tem uma presença tão importante nos meus romances. (José Saramago)”.

Eu – humildemente - peço desculpas, claro não sou Sara, nem Saramago, mas penso assim e assim que me sinto: vítima ou vitimada pela vida, pela decrepitude humana e encontro-me tantas vezes falando de amor, quando o momento é de guerra, é de dor, de total desolação da espécie humana, com distanciamento absoluto e visível dos reais interesses que não nos cerca, distanciam-se de nós a cada dia. Culpas com desculpas dos seus causadores na total ausência de sentimentos. E retomando a minha sugestão de candidato (poeta), também estive pensando em Platão, quando sugere que os filósofos administrassem as cidades (pólis). E diria mais, o momento é de euforia, as promessas voam pela cidade, em forma de panfletos, contribuindo para o acréscimo de lixo, bem como na poluição sonora que a ninguém interessa, só a quem a produz, sobrevoam as cabeças dos desinformados... São tantas euforias, tantos carros alegóricos, é quase uma escola de música, com vergonhosos refrões, alienando, aliciando a mente dos “crentes no bem” que nas promessas que jazem. Cada candidato escolhe uma música, não respeitando o sono das criancinhas, o descanso dos que trabalham, o que importa é divulgar rimas mentirosas, feitas de “prosas”... Saem pelas ruas prometendo céus e estrelas num “lirismo” que não perdura... (...)

E, reafirmando a idéia de Platão, muito justa e sábia, digo que falta filosofia, falta sentimento, faltam verdades nas intenções, e digo mais onde há sentimento a verdade não escapa; onde a mentira está, a verdade se esconde. Um governante-poeta ou um governante-filósofo poderia substituir os sentimentos vis que alimentam as vísceras e sangue dos “interessados na política injusta”. Sonhadora? Lírica? Ou metafórica? Não me importo como me classifiquem, aqui na política interna da minha família, por exemplo, tudo funciona bem, isso porque acreditamos nesta política: respeito, justiça, liberdade de ser. Todos são líderes dos seus direitos, das suas justas vontades e isso funciona e não perdemos o lirismo e nem o maior sentimento: o amor; quem ama liberta.

Assim, falta-nos um candidato que não entenda de política, mas que faça política com sentimento.

 (Ednar Andrade).

 



    

sábado, 11 de setembro de 2010

Em algum lugar do passado...






A protagonista: “Ei, ei, você se lembra da minha voz? Continua a mesma, mas o meus cabelos... Quanta diferença...” Rs... Já estão ficando brancos... Rs...  

Na vida, como na arte, algumas emoções, alguns sentimentos continuarão eternizados, mesmo que seja no calendário. Amizade é o amor que não morre. Grandes amigos ficam, não importa o tempo. 


Homenagem a uma grande amizade.

(Ednar Andrade).

Miolo de pão, morangos frescos...



Miolos de pão e morangos frescos...
O seu café da manhã.
Me chama batendo palmas,
Chego à porta do quarto
E reconheço o barulho sutil
Das pequenas mãos.
           
Acorda feliz numa manhã de sábado;
Bendita seja a inocência...
Sagrado e santo este olhar e sorriso de anjo
Que ameniza o fel desta manhã sem Sol.

E então com graça diz,
Quase com inspiração de poeta:
“Hoje acordei com vontade de comer miolinho de pão.
Mas tem que ser macio e novo”.
E estica-se com graça sob os lençóis...

Cabelos com fios caramelo, quase dourados...
É o meu Sol desta manhã.
Então, lhe puxo com felicidade
De encontro ao meu abraço
E concordo dizendo baixinho:
- Sim, vou pegar miolos de pão...

Atravesso a sala, colho,
Como quem colhe um fruto, miolos de pão.
Então para aproveitar o seu apetite raro
Trago-lhe, também, uma taça de chocolate
E morangos frescos...
Cândido anjo; Ana da guarda; minha Ana Júlia;
Meu doce anjo, que brinca de princesa comigo,
Nas minhas horas mais tristes é o meu melhor abrigo.

(Ednar Andrade).