quarta-feira, 30 de junho de 2010

Tabacaria


Não sou nada.
Nunca serei nada.
Não posso querer ser nada.
À parte isso, tenho em mim todos os sonhos do mundo.


Janelas do meu quarto,
Do meu quarto de um dos milhões do mundo que ninguém sabe quem é
(E se soubessem quem é, o que saberiam?),
Dais para o mistério de uma rua cruzada constantemente por gente,
Para uma rua inacessível a todos os pensamentos,
Real, impossivelmente real, certa, desconhecidamente certa,
Com o mistério das coisas por baixo das pedras e dos seres,
Com a morte a por umidade nas paredes e cabelos brancos nos homens,
Com o Destino a conduzir a carroça de tudo pela estrada de nada.


Estou hoje vencido, como se soubesse a verdade.
Estou hoje lúcido, como se estivesse para morrer,
E não tivesse mais irmandade com as coisas
Senão uma despedida, tornando-se esta casa e este lado da rua
A fileira de carruagens de um comboio, e uma partida apitada
De dentro da minha cabeça,
E uma sacudidela dos meus nervos e um ranger de ossos na ida.


Estou hoje perplexo, como quem pensou e achou e esqueceu.
Estou hoje dividido entre a lealdade que devo
À Tabacaria do outro lado da rua, como coisa real por fora,
E à sensação de que tudo é sonho, como coisa real por dentro.


Falhei em tudo.
Como não fiz propósito nenhum, talvez tudo fosse nada.
A aprendizagem que me deram,
Desci dela pela janela das traseiras da casa.
Fui até ao campo com grandes propósitos.
Mas lá encontrei só ervas e árvores,
E quando havia gente era igual à outra.
Saio da janela, sento-me numa cadeira. Em que hei de pensar?


Que sei eu do que serei, eu que não sei o que sou?
Ser o que penso? Mas penso tanta coisa!
E há tantos que pensam ser a mesma coisa que não pode haver tantos!
Gênio? Neste momento
Cem mil cérebros se concebem em sonho gênios como eu,
E a história não marcará, quem sabe?, nem um,
Nem haverá senão estrume de tantas conquistas futuras.
Não, não creio em mim.
Em todos os manicômios há doidos malucos com tantas certezas!
Eu, que não tenho nenhuma certeza, sou mais certo ou menos certo?
Não, nem em mim...
Em quantas mansardas e não-mansardas do mundo
Não estão nesta hora gênios-para-si-mesmos sonhando?
Quantas aspirações altas e nobres e lúcidas -
Sim, verdadeiramente altas e nobres e lúcidas -,
E quem sabe se realizáveis,
Nunca verão a luz do sol real nem acharão ouvidos de gente?
O mundo é para quem nasce para o conquistar
E não para quem sonha que pode conquistá-lo, ainda que tenha razão.
Tenho sonhado mais que o que Napoleão fez.
Tenho apertado ao peito hipotético mais humanidades do que Cristo,
Tenho feito filosofias em segredo que nenhum Kant escreveu.
Mas sou, e talvez serei sempre, o da mansarda,
Ainda que não more nela;
Serei sempre o que não nasceu para isso;
Serei sempre só o que tinha qualidades;
Serei sempre o que esperou que lhe abrissem a porta ao pé de uma parede sem porta,
E cantou a cantiga do Infinito numa capoeira,
E ouviu a voz de Deus num poço tapado.
Crer em mim? Não, nem em nada.
Derrame-me a Natureza sobre a cabeça ardente
O seu sol, a sua chava, o vento que me acha o cabelo,
E o resto que venha se vier, ou tiver que vir, ou não venha.
Escravos cardíacos das estrelas,
Conquistamos todo o mundo antes de nos levantar da cama;
Mas acordamos e ele é opaco,
Levantamo-nos e ele é alheio,
Saímos de casa e ele é a terra inteira,
Mais o sistema solar e a Via Láctea e o Indefinido.


(Come chocolates, pequena;
Come chocolates!
Olha que não há mais metafísica no mundo senão chocolates.
Olha que as religiões todas não ensinam mais que a confeitaria.
Come, pequena suja, come!
Pudesse eu comer chocolates com a mesma verdade com que comes!
Mas eu penso e, ao tirar o papel de prata, que é de folha de estanho,
Deito tudo para o chão, como tenho deitado a vida.)


Mas ao menos fica da amargura do que nunca serei
A caligrafia rápida destes versos,
Pórtico partido para o Impossível.
Mas ao menos consagro a mim mesmo um desprezo sem lágrimas,
Nobre ao menos no gesto largo com que atiro
A roupa suja que sou, em rol, pra o decurso das coisas,
E fico em casa sem camisa.


(Tu que consolas, que não existes e por isso consolas,
Ou deusa grega, concebida como estátua que fosse viva,
Ou patrícia romana, impossivelmente nobre e nefasta,
Ou princesa de trovadores, gentilíssima e colorida,
Ou marquesa do século dezoito, decotada e longínqua,
Ou cocote célebre do tempo dos nossos pais,
Ou não sei quê moderno - não concebo bem o quê -
Tudo isso, seja o que for, que sejas, se pode inspirar que inspire!
Meu coração é um balde despejado.
Como os que invocam espíritos invocam espíritos invoco
A mim mesmo e não encontro nada.
Chego à janela e vejo a rua com uma nitidez absoluta.
Vejo as lojas, vejo os passeios, vejo os carros que passam,
Vejo os entes vivos vestidos que se cruzam,
Vejo os cães que também existem,
E tudo isto me pesa como uma condenação ao degredo,
E tudo isto é estrangeiro, como tudo.)


Vivi, estudei, amei e até cri,
E hoje não há mendigo que eu não inveje só por não ser eu.
Olho a cada um os andrajos e as chagas e a mentira,
E penso: talvez nunca vivesses nem estudasses nem amasses nem cresses
(Porque é possível fazer a realidade de tudo isso sem fazer nada disso);
Talvez tenhas existido apenas, como um lagarto a quem cortam o rabo
E que é rabo para aquém do lagarto remexidamente


Fiz de mim o que não soube
E o que podia fazer de mim não o fiz.
O dominó que vesti era errado.
Conheceram-me logo por quem não era e não desmenti, e perdi-me.
Quando quis tirar a máscara,
Estava pegada à cara.
Quando a tirei e me vi ao espelho,
Já tinha envelhecido.
Estava bêbado, já não sabia vestir o dominó que não tinha tirado.
Deitei fora a máscara e dormi no vestiário
Como um cão tolerado pela gerência
Por ser inofensivo
E vou escrever esta história para provar que sou sublime.


Essência musical dos meus versos inúteis,
Quem me dera encontrar-me como coisa que eu fizesse,
E não ficasse sempre defronte da Tabacaria de defronte,
Calcando aos pés a consciência de estar existindo,
Como um tapete em que um bêbado tropeça
Ou um capacho que os ciganos roubaram e não valia nada.


Mas o Dono da Tabacaria chegou à porta e ficou à porta.
Olho-o com o deconforto da cabeça mal voltada
E com o desconforto da alma mal-entendendo.
Ele morrerá e eu morrerei.
Ele deixará a tabuleta, eu deixarei os versos.
A certa altura morrerá a tabuleta também, os versos também.
Depois de certa altura morrerá a rua onde esteve a tabuleta,
E a língua em que foram escritos os versos.
Morrerá depois o planeta girante em que tudo isto se deu.
Em outros satélites de outros sistemas qualquer coisa como gente
Continuará fazendo coisas como versos e vivendo por baixo de coisas como tabuletas,


Sempre uma coisa defronte da outra,
Sempre uma coisa tão inútil como a outra,
Sempre o impossível tão estúpido como o real,
Sempre o mistério do fundo tão certo como o sono de mistério da superfície,
Sempre isto ou sempre outra coisa ou nem uma coisa nem outra.


Mas um homem entrou na Tabacaria (para comprar tabaco?)
E a realidade plausível cai de repente em cima de mim.
Semiergo-me enérgico, convencido, humano,
E vou tencionar escrever estes versos em que digo o contrário.


Acendo um cigarro ao pensar em escrevê-los
E saboreio no cigarro a libertação de todos os pensamentos.
Sigo o fumo como uma rota própria,
E gozo, num momento sensitivo e competente,
A libertação de todas as especulações
E a consciência de que a metafísica é uma consequência de estar mal disposto.


Depois deito-me para trás na cadeira
E continuo fumando.
Enquanto o Destino mo conceder, continuarei fumando.


(Se eu casasse com a filha da minha lavadeira
Talvez fosse feliz.)
Visto isto, levanto-me da cadeira. Vou à janela.
O homem saiu da Tabacaria (metendo troco na algibeira das calças?).
Ah, conheço-o; é o Esteves sem metafísica.
(O Dono da Tabacaria chegou à porta.)
Como por um instinto divino o Esteves voltou-se e viu-me.
Acenou-me adeus, gritei-lhe Adeus ó Esteves!, e o universo
Reconstruiu-se-me sem ideal nem esperança, e o Dono da Tabacaria sorriu.


(Álvaro de Campos, 15-1-1928).

terça-feira, 29 de junho de 2010

Dias Nublados


Imagem pesquisada na web.

Os dias nublados
Têm cara de romance...
As tardes ficam lindas...
As manhãs cinzas...
E nos convidam
A um passeio nos sonhos.
Eles são pintados
Com pinceladas fortes
De melancolia...
(Ou de paixão).
Desperta nos amantes;
Ternura;
Em todos; emoção.
A garoa cai fininha...
Como uma cortina...
Cortina de sentimentos,
Trazendo inspiração.
Perfume nos ventos...
E nas flores, canção.
O silêncio nos bosques;
Na folhagem mansa;
Que não se balança;
No piar das aves;
Que parecem não ter frio;
No mugir do gado;
No meu pensamento;
Tudo fica belo...
Com cara de romance,
Um convite ao vinho;
Acender lareira,
Fazer uma fogueira
E cantarolar,
Na felicidade
Deste quase ninho
Que as frias tardes,
Por serem nubladas,
Nos levam a sonhar.


(Ednar Andrade)*****.

sexta-feira, 25 de junho de 2010

Saudades de Michael




Michael, muitas vezes confuso e confundido, rejeitado, amado, até, quem sabe, odiado, não passou de forma desapercebida. Até mesmo os que não confessam seu carinho por ele, por não sentir ou por hipocrisia ou por pura covardia, não pode deixar de ser citado por mim, ao contrário do que disse, quando cito covardia e sentimentos do nível, sempre declarei, pelo artista, meu imenso carinho.

Suas canções sempre repletas de amor, embalaram e embalam sentimentos vivos, assim como no meu peito, "Ben" será sempre a minha preferida, pois quando criança ia cantarolando no caminho da escola, como que para diminuir a distância, percurso que fazia a pé diariamente, pois a escola era bem distante de casa, fazia eu a minha própria tradução... Rsrs... 

Hoje, avó, agora canto para minha netinha Júlia, a mesma canção... E digo para ela que não estamos sós.

(Ednar Andrade).


quinta-feira, 24 de junho de 2010

Graças À Vida




Graças à vida que me deu tanto
Me deu dois olhos que quando os abro
Distinguo perfeitamente o preto do branco
E no alto céu seu fundo estrelado
E nas multidões o homem que eu amo

Graças à vida que me deu tanto
Me deu o ouvido que em todo seu comprimento
Grava noite e dia grilos e canários
Martírios, turbinas, latidos, aguaceiros
E a voz tão terna de meu bem amado

Graças à vida que me deu tanto
Me deu o som e o abecedário
Com ele, as palavras que penso e declaro
Mãe, amigo, irmão
E luz iluminando a rota da alma do que estou amando

Graças à vida que me deu tanto
Me deu a marcha de meus pés cansados
Com eles andei cidades e charcos
Praias e desertos, montanhas e planícies
E a casa sua, sua rua e seu pátio

Graças à vida que me deu tanto
Me deu o coração que agita seu marco
Quando olho o fruto do cérebro humano
Quando olho o bom tão longe do mal
Quando olho o fundo de seus olhos claros

Graças à vida que me deu tanto
Me deu o riso e me deu o pranto
Assim eu distinguo fortuna de quebranto
Os dois materiais que formam meu canto
E o canto de vocês que é o mesmo canto
E o canto de todos que é meu próprio canto

Graças à vida, graças à vida


(Violeta Parra).

Se


Quem me entenderia 'se'...
Pudesse entrar em minha cabeça...
Quem afinal me descobre,
Quando me cubro de espanto?
Quem me conhece tanto e a ponto
De reconhecer o pranto,
Quando sutil deixo escapar
A lágrima que teimo em guardar?
O meu sorriso tão rosa,
Quem o fará desbotar?
A quem confio o encanto
Da minha vida revelar?
Sem engolir uma vírgula,
Nem um ponto?
Desta história que estremece
Feito gelatina da cor do juá
Ainda pergunto sem crer
Na resposta de muita gente:
Quem sou? alguém sabe, gente?
Se existir na boca de alguém
A reticência... eu me conheço
Bem mais que muita gente...
Sem me enganar, nem perder
Ponto, vírgula ou parênteses...
Quem me conhecerá?


(Ednar Andrade).

terça-feira, 22 de junho de 2010

A felicidade é periférica.




... Se algo ou alguém nos faz ter um enganoso sentimento de infelicidade, ao nosso redor a felicidade pode está cantando gemendo e nos invadindo, quase adentrando, e nós: apenas olhando para dentro... Esquecidos de ser perifericamente felizes... "Verdade", esta amiga que nos sacode e nos acode ao mesmo tempo, pois tantas vezes sofremos e esquecemo-nos de agradecer, "de ser felizes", de sermos serenos, na simplicidade de existir e "termos tanto"... E vermos tão pouco... E com esta cegueira, do infinito existir, perde-se tanto bem querer, tantos afagos vindos do colo da vida, tanta ternura, jogamos fora em nome da Dor. E o sal??? O sal da vida está em nossas mãos. Temos apenas que saber dosar, sorver, degustar com apurado desejo de ser e fazer feliz quem verdadeiramente sem pedir, sem impor-nos, sorri como que num geste materno apenas dar... É assim, o acordar, o dormir e o despertar, constatando que podemos ter na mão o "sal "e também dele fazer doação de felicidade e de amor.

Tudo depende realmente de como respiramos, se para baixo ou para todos os lados, com movimentos giratórios na emoção e com ela a descoberta da abundância de motivos para as razões do ser feliz, por ser, por existir, e por querer sê-lo. Sem questionar a dor que passa como um vento mais forte, buscar na fragilidade o encantamento da descoberta, o doce sabor do amargo, e degustar com cara de aprendiz que o sal da vida é o tempero natural que surge na maturidade. E que só assim é possível ser sapiente diante desta falsa impressão, mesmo quando dizem que ela é a que fica como boa lembrança, eu "discordo da total infelicidade que pregam os pessimistas", acredito que felizes são os que vivem um dia de cada vez, se tiver que sofrer que sofra, não tire da dor o direito de chegar com mãos ásperas e te empurrarem para um lugar novo e desconhecido que te fará com certeza viver uma sagacidade invejável para os tolos. "Preciso é que se morra para renascer", não importa quanto custa cada experiência, não há gozo sem cansaço, não há fome na fartura, não há cura sem remédio, saudades sem amores, silêncios sem preces... A vida assim, como o oceano esconde mistérios... Mas é preciso que alguém mergulhe e vá até "quase "o fundo... Eu disse, quase, pois, não há final para tantos segredos... Então, que de forma feliz e periférica, bebamos com prazer até a dor. Bom é sorver com gozo tudo o que se vive, como presente, mesmo que sejam as tormentas, pois delas, com plena certeza, surgirá ou surgirão as benesses do saber. Os louros e aplausos do tempo, o aloé da colheita da vida nos dá suportes.

No meio desta reflexão, estive pensando em um tempo ainda não tão distante em que eu tomava um ônibus e no caminho de para aonde ia, olhava na cara das pessoas. Os passageiros pareciam personagens de novela, sorriso, maquiagem, expressão boa, aquilo mais parecia uma perfumaria com rodas e motor, mas onde todos traziam um texto a ser traduzido e eu, infinitamente tola, sentia-me só no mundo dos meus aflitos pensamentos, chegava a pensar ser a única com queixa naquela caixa de metal barulhenta... Misturada aos vários perfumes havia um forte odor de alguma “infeliz axila”, o que tornava urgente o fim da viagem. Já ali eu dosava o "SAL" e minimizava a dor. De forma periférica, sempre descobri que a felicidade existe no que somos dentro e fora.

(Ednar Andrade).

domingo, 20 de junho de 2010

Saudades da ilha


Ah! Se assim como um pássaro
Soubesse eu voar
Sairia daqui agora
Pousaria naquela lagoa

Beberia todos os versos
Daquele poema, daquele encanto
Que existe
Naquele lugar

Ah! Se pudesse eu, assim como um passarinho,
Fazer naquele canto um ninho
Sairia daqui agora, dormiria sob o embalo
Do galho de alguma árvore que existe naquele lugar

Ah! Eu me transportaria
Antes que chegasse o dia
Iria agora correndo de saudade, até gemendo,
Sentir o vento, a brisa e ali me deitaria

Para sonhar, sonhar, sonhar.

(Ednar Andrade).

sábado, 19 de junho de 2010

"Cotovia"




Meu amor
Eu vejo a lua brilhar
Por que você quer partir agora ?
Lá longe, a noite é calma
É a rainha do mundo
Fica mais um segundo, fica mais um segundo
Vem comigo
A luz dos meus dias
Descobrir-nos-á
E somente a noite
Esconde-nos-á
É o amor impossível
Que o mundo não entende (nada)
Fica mais um momento, fica mais um momento
Fica comigo
Então, você está enganado
Foi o rouxinol
Que te acordou
E não a cotovia
Que nos traz os dias
Fica mais um segundo
Esquece o mundo, vem comigo




DENISE EMMER - 1978

sexta-feira, 18 de junho de 2010

Homenagem a José Saramago (1922* - 2010†)


Foto pesquisada na web


Poema à boca fechada

Não direi:
Que o silêncio me sufoca e amordaça.
Calado estou, calado ficarei,
Pois que a língua que falo é de outra raça.


Palavras consumidas se acumulam,
Se represam, cisterna de águas mortas,
Ácidas mágoas em limos transformadas,
Vaza de fundo em que há raízes tortas.


Não direi:
Que nem sequer o esforço de as dizer merecem,
Palavras que não digam quanto sei
Neste retiro em que me não conhecem.


Nem só lodos se arrastam, nem só lamas,
Nem só animais bóiam, mortos, medos,
Túrgidos frutos em cachos se entrelaçam
No negro poço de onde sobem dedos.


Só direi,
Crispadamente recolhido e mudo,
Que quem se cala quando me calei
Não poderá morrer sem dizer tudo.


(José Saramago).


Foto pesquisada na web.

Na ilha por vezes habitada


Na ilha por vezes habitada do que somos, há noites,
manhãs e madrugadas em que não precisamos de
morrer.
Então sabemos tudo do que foi e será.
O mundo aparece explicado definitivamente e entra
em nós uma grande serenidade, e dizem-se as
palavras que a significam.
Levantamos um punhado de terra e apertamo-la nas
mãos.
Com doçura.
Aí se contém toda a verdade suportável: o contorno, a
vontade e os limites.
Podemos então dizer que somos livres, com a paz e o
sorriso de quem se reconhece e viajou à roda do
mundo infatigável, porque mordeu a alma até aos
ossos dela.
Libertemos devagar a terra onde acontecem milagres
como a água, a pedra e a raiz.
Cada um de nós é por enquanto a vida.
Isso nos baste.


(José Saramago).




Imagem pesquisada na web: José Saramago (1922* - 2010+).


“Dentro de nós há uma coisa que não tem nome, essa coisa é o que somos” (José Saramgo).



“Todos sabemos que cada dia que nasce é o primeiro para uns e será o último para outros e que, para a maioria, é so um dia mais” (José Saramago).


Imagem pesquisada na web
Espaço Curvo e Finito


Oculta consciência de não ser,
Ou de ser num estar que me transcende,
Numa rede de presenças
E ausências,
Numa fuga para o ponto de partida:
Um perto que é tão longe,
Um longe aqui.
Uma ânsia de estar e de temer
A semente que de ser se surpreende,
As pedras que repetem as cadências
Da onda sempre nova e repetida
Que neste espaço curvo vem de ti.


(José Saramago).

quarta-feira, 16 de junho de 2010

Fragmentos


Ei, estou aqui pensando em todo este silêncio;
"Silêncio que a minha boca rejeita".
O ontem tem hoje, nisso, uma parcela.
Ontem tanto, hoje nada.
E é o nada de hoje que me estrangula a quietude da alma.
É assim que você precisa me ver:
Andando absorvida deste jeito por mil pensamentos.
Pareço uma fera que ruge, presa.
Agora, por exemplo, a minha calma virou mar;
A minha lucidez foge totalmente.
Olho-me no espelho do meu quarto.
Minha fisionomia parece de uma mulher estranha,
Estranha demais para o sorriso dos meus olhos travessos.
Hoje eu queria o meu ontem. Que maravilha!
Repito minha frase: é quando pode dois, um ser.
Um pássaro, um pardalzinho desses, que tenho no quintal,
Que bom! Eu queria ser, pois só assim eu voaria para a tua janela.
Olhando nos olhos, no fundo dos olhos, eu te diria baixinho
Para ninguém ouvir que hoje me tiras a calma,
Da mão a palma, o riso, a razão, da voz o som.
Mas, diria também que tudo ontem foi bom.


(Ednar Andrade).

terça-feira, 15 de junho de 2010

Memórias de uma Copa


Escrete canarinho de 1982.

Começou mais uma Copa do Mundo... Vejo alguns jogos e penso: "não fazem mais copas como antigamente", uma frase um tanto batida e que se justifica, conforme Bial, porque tendemos exaltar os fatos do passado em detrimento dos fatos do presente e isso, talvez, por que envelhecemos e perdemos, com o tempo, o elã inicial do primeiro contato.

Minha melhor lembrança de Copa do Mundo é a de 1982, minha primeira copa (ou ao menos a primeira que guardo vívida na memória, uma vez que em 1974 e 1978 eu não entendia nada do assunto... Rsrs).

Lembro do primeiro jogo: a vitória da Bélgica por 1x0 sobre a Argentina, com gol de Van Den Berg. Mas, o que me interessava eram os jogos do Brasil. Vi uma partida inesquecível: Brasil 2 x 1 União Soviética. Levamos um susto com o Gol de Bal e pensei: "estamos fritos", pois Dasaev, o goleiro deles, nem brisa deixava passar; pegava tudo. Parecia uma defesa sólida, mas como diria Marx: "Tudo que é sólido desmancha no ar". Assim, dois torpedos, um de Éder e outro de Sócrates, derrubaram a muralha russa. Depois, goleamos a Escócia (4x1) e a Nova Zelândia (4x0) com atuações fantásticas da esquadra canarinho. Passamos à segunda fase da copa.

Recordo-me que a cada gol do Brasil, a meninada corria para festejar na rua. A rua, sem calçamento, virava o nosso Maracanã, ou melhor - já que a copa era na Espanha - o nosso Santiago Bernabeu, onde as traves eram de tijolos (um de cada lado) e a bola era de borracha e já surrada pelo tempo. A efémeride futebolística tinha  o condão de aproximar as pessoas, fazendo-as confraternizar. Bons tempos...

Veio a segunda fase, enfrentaríamos Argentina, então campeã, e a Itália. A Argentina tinha a base que fora campeã em 1978 (Fillol, Bertoni, Tarantini, Gallego, Passarella, etc) e um jovem, chamado Maradona. Mas, não foram páreos para Zico, Sócrates, Falcão e cia. Passeamos em campo: Brasil 3 x 1 Argentina (gols de Zico, Serginho e Júnior). 

O próximo adversário seria a Itália. Os italianos, na primeira fase tinham feito uma campanha marcada por empates (com Polônia, Peru e Camarões). O Brasil levava vantagem no saldo de gol, pois tinha feito 3x1 nos portenhos, enquanto os italianos só tinham vencido por 2x1. Assim, bastaria empatar e passar à semi-final.

O Brasil entrou em campo tentando cadenciar o jogo, tocando a bola e "gastando o tempo". Entretanto, esta postura foi responsável pelo primeiro gol italiano: Cerezo tenta um passe lateral e Paolo Rossi intercepta, avança e marca na saída de Valdir Perez. O jogo começa a ficar mais disputado. O Brasil vai para cima, a Itália responde e assim vai até que Sócrates, de dentro da área, chuta cruzado e empata. Mas, a defesa novamente falha e Paolo Rossi marca para a squadra azzurra. Terminou o 1º tempo: vantagem deles. Recomeça a partida, o Brasil avança, mas esbarra em Scirea e Gentile, defensores italianos. O jogo prossegue aguerrido até que Falcão manda um "tiro" indefensável para Zoff, empatando e reacendendo as esperanças do Brasil. A alegria toma conta da rua. Faltavam poucos minutos para o jogo acabar. Nos estertores da partida, a Itália consegue um escanteio. A defesa sai para fazer a linha de impedimento; Júnior fica plantado e Paolo Rossi marca 3x2 e elimina o Brasil. A rua ficou vazia; os meninos não jogaram naquele dia...

É fato, ficou para a história do futebol: não fomos campeões em 1982. Mas, guardo na memória os lances geniais de uma seleção injustiçada que fez do futebol uma arte e dos dias de jogos do Brasil, uma oportunidade para confraternizar.

(Danclads Lins de Andrade).

Brasilllllllllllllll!!!!




BRASILLLLLLLLLLLLL!!!!!!

“Uma terça com cara de domingo... Aos 07:00 do 1º temp0 o arrepio; aos 10:00 do 2º tempo o êxtase”


(Ednar Andrade)

sábado, 12 de junho de 2010

Sonho




Sonhava com teu corpo nu,
Te sentia tão quente ao meu lado,
Um sonho de azul bordado,
Entre sussurros ...
Me pedias, como querias ser tocado.
Oh meu amor! Estavas lindo!
E te beijei com profundo desejo...
E tu gemias de prazer descontrolado.
Ah! Eu também, meu homem amado.
Deste meu sonho de irreal pecado,
Era a saudade que estava ao meu lado.
Tu me abraçavas tão forte,
Tão cheio de volúpia...
Roçava teu corpo no meu,
Rolamos loucos e descompassados,
Num frenesi medonho e descarado.
Tua boca quente percorria meu corpo
E eu o teu...
Entre gemidos e silêncios gozados,
Fomos ao céu.
Deste inferno de paraíso;
Amor pagão.
Mas, de repente, acordo;
Não estás comigo,
Tudo era sonho...
Tudo era sonho no sexo deste abismo.


(Ednar Andrade).

Infinito no verso (reverso).

Imagem pesquisada na web

... Tentando criar um verso para o infinito ou configurando uma dor.


Minha alma está doente... E a cura só vem quando declamo, quando rasgo a dor com poesia... Ontem, de tão triste, o meu peito abriu, e num descuido meu coração partiu, despencou da prateleira do amor, fiquei gemendo... Deitei-me no chão da minha saudade... Com tanta dor... Que o mar, o vento, as estrelas, todos os astros, vieram ao meu socorro... Quando tudo que eu precisava era ver e sentir o calor do Sol... Deixar meu corpo se banhar da sua luz... Iluminar os meus desejos com seus raios em fogo. Beijar a boca da carne nua e por, dentro de mim, a sedução daquele olhar que não vejo. Ai... Ontem uivei como uma loba perdida dentro da escura noite. Engoli meu pranto para não acordar o meu segredo e chorei baixinho; abracei o meu lençol... Havia nos meus olhos uma ferida aberta; uma fenda que deixava escapar um rio transparente de agonia. Como desejei que fosse dia... Dia de correr no campo como um bichinho brincalhão, uma borboleta livre, pássaro cantante dentro da mata, ver passar o dia como que mirando as águas de um rio que conheço e deságua em minha emoção, levando na correnteza as mágoas e o frio da espera infinita de ti. Dia de ser o teu barco náufrago e, nestas águas mornas, ficar em tuas mãos como um pequenino barquinho. Dia de ser viçosa como a flor bela da manhã, ser como a aurora que se mistura ao dia. Ser singela como a flor do campo, que alguém descobre sem saber o nome e ser apenas silenciosa... Nos ruídos do amor e no seu contentamento, ser profundamente amada na relva dos teus desejos. Como sonhei com o carinho mudo que de tua boca viria me fazer chover de emoção, de felicidade e de paixão, mas a violência da saudade mata a realidade sem perdão, sem escrúpulos e sem permissão. Cruel castiga o peito, fustiga, faz escorrer um fel dos olhos que desce e atravessa a garganta e vai até o lugar mais fundo da alma, o lugar mais escondido do amar... Invade-me como uma espada dentro da noite a rasgar-me as feridas feitas das lembranças... Sento-me no pó deste inferno, para tecer a trança infinita deste sentimento algoz e íntimo, num duelo de constatação.

... É desta dor que me habita, que me alimento e respiro, bebo, nesta fonte “indesejada que desejo” (e quero tanto...) e morro e vivo, para renascer plena de todos os suspiros e sussurros que me faz este sentido, que ora beija, ora bate na face de forma escancarada e contida; diálogo mudo que travo com o mundo; frases escritas com saudade e medo num desespero que me arrasta calmo, que empurra ao tudo, e ao mesmo tempo ao nada que podemos... Assim, com o coração em fragmentos, sigo, segues, como que juntando os destroços em total tristeza; a carne em lamentos, querendo tanto este querer permanente em mim e em ti. Não sei se há nele bênção ou maldição, mas sei o quanto nos queremos sem pensarmos na razão. Somos conduzidos pela mão suave e perigosa com infinita paixão, algumas vezes lascivo, cheio de luxúria, carnal, ardentes e céticos de outros sentidos, não há neste sofrer lamento mais gemido do que a dor deste querer... Um querer errante, pagão, maciço, barulhento como é, fez-se trovão, e acordou em nós, partindo o coração, maré, enchente desperta na noite, sai pelas narinas em forma de ar... Perfumando as rosas, fechando ou abrindo abismos, nos faz, deste olor, amantes... Sublimemente perdidos. Não há como medir, só sentir, e mergulhar cada vez mais... E de tanto querer, almas sem juízo, sem juiz que o julgue, viver com verdade este delito, sem culpas, ilhados na cumplicidade tocar a carne quente dos que descem ao inferno, para chegar ao céu do amor sonhado.

(Ednar Andrade).

sábado, 5 de junho de 2010

Mulher sem Idade


Por Danclads Lins de Andrade

O tempo não diz de ti;
És atemporal; ultrapassa-o...
Mulher sem fronteiras;
Mulher sem idade;
Atrevimento da natureza
Que a cronologia não explica
E espanta a humanidade
Que desafia os anos...
Brincas com a eternidade
Teu nome?
Ednar Andrade.


(Danclads Lins de Andrade).


Em homenagem a mulher que amo, minha poetisa Ednar Andrade.

Você



Por Danclads Lins de Andrade


Um sorriso largo e encantador
Que te fecham os olhos;
Uma tez macia
Em um corpo escultural;
Um cérebro de sábia
E uma elegância Real;
A maturidade de mulher
E um jeito de menina;
Uma "Afrodite" humana;
Uma "Leila Diniz" divina!
1 metro e 68 centímetros
De singular grandeza;
Cinqüenta e um quilos
De força e beleza.
Assim eu te vejo...
Entre o humano e a perfeição;
Tens o teu lugar reservado,
Cadeira cativa no meu coração.


(Danclads Lins de Andrade).

sexta-feira, 4 de junho de 2010

Dança do amor


Foto: El Brujo

... E ela dança...
Com seu corpo nu...
Na lua "cheia de amor”,
Para dar...
E pulsa em rodopios incontidos...
Sangue nas veias,
Paixão...
Emerge do fundo do mar com seus lábios rubros,
Agora sem véus...
O ventre incendeia em desejos,
Num incessante prazer, amar...
Beija, com boca salgada...
Beijos com gosto de mar.


(Ednar Andrade).