quinta-feira, 24 de junho de 2010

Graças À Vida




Graças à vida que me deu tanto
Me deu dois olhos que quando os abro
Distinguo perfeitamente o preto do branco
E no alto céu seu fundo estrelado
E nas multidões o homem que eu amo

Graças à vida que me deu tanto
Me deu o ouvido que em todo seu comprimento
Grava noite e dia grilos e canários
Martírios, turbinas, latidos, aguaceiros
E a voz tão terna de meu bem amado

Graças à vida que me deu tanto
Me deu o som e o abecedário
Com ele, as palavras que penso e declaro
Mãe, amigo, irmão
E luz iluminando a rota da alma do que estou amando

Graças à vida que me deu tanto
Me deu a marcha de meus pés cansados
Com eles andei cidades e charcos
Praias e desertos, montanhas e planícies
E a casa sua, sua rua e seu pátio

Graças à vida que me deu tanto
Me deu o coração que agita seu marco
Quando olho o fruto do cérebro humano
Quando olho o bom tão longe do mal
Quando olho o fundo de seus olhos claros

Graças à vida que me deu tanto
Me deu o riso e me deu o pranto
Assim eu distinguo fortuna de quebranto
Os dois materiais que formam meu canto
E o canto de vocês que é o mesmo canto
E o canto de todos que é meu próprio canto

Graças à vida, graças à vida


(Violeta Parra).

2 comentários:

  1. Obrigado por este "Gracias à La Vida" da inesquecível Mercedes e da menos inesquecível Violeta Parra. É simplesmente maravilhoso... e como mereces uma recompensa mal escanhoado, de quem bebe nos cálices da sofreguidão o seu sustento, cá vai:
    Décimo Segundo Cálice


    Se na equidistância entre estrelas o afastamento a uma é aproximação
    A outra entre dois pólos navega como pêndulo à procura da unidade
    Esse ritmo binário digital com que nos sustentamos irrequieta condição
    A bater as horas entre ser e não e não-ser, sintetiza-nos átomo paridade
    Ao construir-nos duplos no género mas iguais perante a generalidade.

    Olho devagar a concisão de teu sorriso aflorando o recanto da alegria
    E nesse olhar em que me vou tornando está o manto rosáceo, puro, liso
    Que não descuro nem quanto dele preciso para seguir em frente no dia
    A dia, sobre a mesa da ocasião, apenas à solidão calada as letras aviso
    Arriscarem-se a perecer se ao cometer a traição temerem doce ousadia
    De tecer teus ombros na fina e branca seda dos astros reflexos os areais
    Bronzeados mestiços metais nada são se os comparar a alvos celestiais
    Das velas navegantes que mundos viram e trouxeram uma página mais.

    Duas folhas unidas pela medianiz como dos troncos nasce só uma raiz
    A veia feita das duas metades que já foram quartos doutras tantas luas
    Ao querer como se crê e tanto quis que as pétalas saídas do cálice tuas
    Fossem únicas verdades essas lidas assim tatuadas na pele tão-só a giz
    De gizar o caminho ao amaciar o linho da repousada água na líquida fé
    De se apagar a mágoa no mansinho ser somente quem, ao querer-te, é.

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  2. Décimo Quinto Cálice

    Tulipas-lírio, dálias franjadas
    Orquídeas, crisântemos, açucenas
    Ladeiam os degraus das escadas
    Ao Olimpo das mulheres pequenas,
    Porém tão grandes e tão amadas
    Que entre as flores mais cuidadas
    São de todas elas, as mais serenas.

    A cobiçada pose dos ramos singelos
    E as vestes numa folhagem estival,
    A seda escura dos castanhos cabelos
    Certos e rimados ao meneio musical
    Ondas sossego e escadeados anelos
    Navegáveis sem nós nem novelos
    Que encrespem os dias por igual.

    É tudo tão simples, assim, encantado
    Que do recanto nasce o canto vertical
    A esquadro e a compasso desenhado
    Como canteiro, ou minarete floral
    Esboçando tela de quadro conventual
    Para quem sonha, e desse sonhado
    Floresça o sentido do sentir universal.

    Início do que não tem princípio nem fim
    Nem carece de conceito ou até de meio,
    E completa tudo quanto falta em mim
    Se dos teus lábios bebo o cálice cheio!

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