sábado, 10 de maio de 2014

Eu e ela


Eu e ela


Amor e bordados*



Minha mãe bordava ao bastidor, lençóis da nossa casa, bordava florais azuis, tão lindos.....

Com pássaros e borboletas, bordava um mundo, enchia, de sonhos e cores, a nossa casinha tão simples e tão esmerada por ela.

À noite, depois de todos os cansaços, abria a porta da frente, olhava para mim e sorria; nas mãos, uma caixa com linhas, agulhas e poesias, para nós, ela tecia contente.

Havia na sala grande, e quase vazia, uma rede sempre armada e poltronas azuis de veludo, bordadas... Era ali onde ela escrevia, com linhas, as cores que nos enfeitava.

...E se deleitava distraída ouvindo valsas. Ao seu lado havia sempre uma magra menina com cabelos longos e pretos, com duas longas e mal feitas tranças: eu as fazia como quem bordava -o rosto- Não sabia de mim, apenas existia e era feliz.

Ela gostava de bordar os panos da casa, era muito linda e ainda é.

Mas naquelas noites, naquelas tarde de frescas e variadas linhas e cores, enquanto eu ficava sentada olhando, querendo aprender, às vezes eu dançava, dançava, ficava tonta e adormecia .Rs....

Minha mãe não era mulher prendada na cozinha, isto era trabalho para Zefinha.

Era minha mãe aquela mulher magra e forte, que durante toda a sua vida acordou cedo e, a pé, ia trabalhar.

Mãe de cinco filhos, séria, mas risonha, tinha segredos no olhar, tinha um poema no peito e a vida para ninar.

Em outras noites, quando chovia e tínhamos medo do trovão, ela ao nos ver assim, esticava-se numa  rede e punha-se a nos embalar, cantarolando rezas, cantigas para aquietar, dormir e sonhar.

Tinha alma de anjo, candura de santa e mãos pálidas, com ela cresci sabendo que sem amor e perdão a vida não é vida, não.

(Ednar Andrade).