segunda-feira, 27 de junho de 2011

Cantiga de amor


Quando chegar amanhã
Ama-me como se fosse ontem.
Aos primeiros sinais de esquecimento
De surdez, de acomodação
Quando a visão embaralhar
E a mente em desequilíbrio
Afastar-me da lucidez,
Ama-me como se fosse ontem.
Quando eu parecer importuna
Descrevendo a mesma estória
Insistindo em recordar o passado
Gastando horas a fio
A folhear antigos retratos,
Ama-me como se fosse ontem.
Quando a comida parecer insalubre
E a água travar no céu da minha boca
Ou quando envergonhada
Perceber os primeiros sinais
De uma temida incontinência
Atormentando os meus dias,
Ama-me como se fosse ontem.
E quando eu esquecer o seu nome
Ama-me intensamente nessa hora
Quando até o meu alargado sorriso
Embeber-se de melancolia
Ou quando eu chorar à sensação
De desconhecer sua face,
Ama-me, pois, mais do que hoje.
Ama-me amanhã, como se fosse ontem
Ao lembrar-se das tantas madrugadas
Quando em silêncio eu velei o seu sono
Ao lembrar-se de outras madrugadas
Em que com minhas mãos
Enxuguei o seu pranto de menino
E desenhei no céu
Algumas nuvens de carinho.
Ama-me amanhã, como se fosse ontem
Pela certeza única desse amor
Um amor que se vive pela vida inteira
Pois mesmo quando pressentires
Que eu esqueci-me de mim
Ainda assim, não terei esquecido
O meu amor por você.

(Suely Nobre Felipe).

*Texto extraído do blog substantivo plural.

Olhar


Uma romã,
Um prato de lentilha (...)
No olhar
Interrogação (?)
Um  fio invisível de esperança 
;
R
E
S
T
A
:
O aceno 
A fresta
Estrada 
Em Cone.

(Ednar Andrade).

Sono



Sono,         
     Cama,
           Olhos fechados,
                                Quarto,
                                    Lençol,
                                          Travesseiro.  

                                               Sonho....

(Ana Júlia)

domingo, 26 de junho de 2011

Cadê o dedão que estava aqui?


Cadê o dedão que estava aqui?
A porta comeu! – a avó respondeu
Como comeu? Comeu de verdade? – perguntou Julinha
Que nem o doce de coco que eu lambuzo?
Sim e não!
Ai vovó, que distinção!
Então a porta achou que o dedão era doce?
Quem sabe purê de batata?
Humm, melhor: biscoito de nata
Ou pensou que era almoço depois da aula?
Quão faminta esta porta, vovó!
Tira ela da nossa casa, senão,
tudo o que for grandão...
Vai ficar pequenininho!
A cortina florida vai virar lenço.
A minha cama voltará a berço.
Minha Emília, quem sabe uma barbie
Meu vestido de xita, um laço
Meu milho cozido, um bagaço
Explica logo, vovó: como comeu?
Julinha, é que a porta caiu no meu pé e comeu o dedão
O dedão virou dedinho
Nisso, o pé ficou todo fofinho:
Primeiro a porta faminta bate
Depois o dedão fica moidinho
Posto que o que era grande esmaeceu...
O pé todo então cresceu.
E esta bota branca?
É para ele não explodir de tão grande.
Vixe, vovó! É um pé-bexiga ou um pé-balão?
Querida, você tem quase razão.
Mas eu já sei o que a porta é.
E o que é?
É um martelo.
E por quê?
Porque bate, empurra, encaixa e tortura.
Faz sentido, Julinha, mas ainda não é.
Então é uma sanguessuga.
E por quê?
Faz tudo pra sugar, come do outro e ela só a aumentar...
Também faz sentido, mas ainda não é.
Então é um novelo de lã
E por quê?
Trabalha quieto, só a gente que mexe nele: puxa, empurra, puxa, empurra...
Também faz sentido, mas ainda não é
Então o que é?
É uma porta faceira. Finge-se de segura, mas no fundo é frouxa
Quando menos se espera, ela desaba
O que tiver no meio ela esmaga
E diminui?
Digamos que sim.
Então o homem vira menino?
Também não é assim...
E como é?
Tá bom. É (a avó embarca na viagem. Lembra que consertou a porta. Acidentes assim não mais ocorrerão).
Então eu já sei o que desfará o estrago da porta.
E o que é?
É a fada da chave
E o que é isso?
Eu li no livro. A fada não cresce, por isso ela conseguiu a chave do tamanho
E daí?
E daí que ela muda o tamanho de tudo, só não de si
Tadinha da fada...
Mas ela até gosta, vovó.
Pequenina, ninguém vê-la a trabalhar
Todas as astúcias dela pairam no ar
Se você tentar ver, achará que é um mosquito
Melhor nem tentar fazer isto
Quando a gente pede, ela pode aparecer
Mas só à noite, quando ninguém vê
E você vai pedir por mim?
É claro que não, vovó. Pedirei pelo seu dedão.
Eu pedirei à noite, e de manhã tudo estará resolvido.
O dedinho voltará a dedão. Amanhã você verá.
Que bom que assim será! (a avó esconde o medo na exclamação. Arrependeu-se da concessão ao sonho da neta, mas não quer destruir o simbolismo da leitura)
E qual é o livro desta fada?
La petit Fée  (Julinha caprichou no francês, que está aprendendo).
Ótimo, querida. E você entendeu tudinho?
Sim, vovó. O que eu ainda não sei ler em francês, li nos desenhos.
Ahh... Também quero ver o livro.
(Olhada vai, olhada vem...)
Julinha, você não observou este detalhe importantíssimo?
Qual detalhe? (A menina espichou os olhos)
La petit Fée entrou de férias!
(a menina coçou a cabeça, em sinal de confusão)
Veja, querida: ela aparece de malas feitas aqui, pronta para viajar...
Mas ela não estava indo visitar a tia?
Não. Ela está viajando para Teotihuacam! Cidade antiga do México. Foi escolhida patrimônio cultural da humanidade, por ser tão importante.
E Por que ela é importante?
Ela já foi uma grande cidade, ou melhor, uma metrópole cosmopolita.
O que isso quer dizer, vovó?
Antes de os europeus descobrirem a América, ela era uma das maiores cidades do mundo. As pessoas nem imaginavam que existia Teotihuacan, pois suas ruínas estavam em baixo das montanhas.
E como eles descobriram esta cidade?
Através de escavações, assim como todas as civilizações antigas.
E eles conseguem cavar tão fundo assim?
Sim, julhinha. Foi no seu subsolo que descobriram-se ruínas dos astecas, uma civilização muito antiga.
E por que La petit Fée viajou para lá?
Provavelmente para aprimorar o trabalho dela (arrematou a avó).
De que maneira?
Teotihuacan é uma cidade de grandes monumentos. Lá há a Pirâmide da Lua, que tem a altura de um prédio de quatorze andares.
Nossa, deve ser a maior pirâmide do mundo!
Não, lá mesmo há a Pirâmide do Sol, que mede sessenta e um metros, a altura de um prédio de vinte e um andares.
E por que lá é o lugar certo para a fada da chave “aprimorar” seu trabalho?
Por que diante de prédios tão altos, ela poderá testar sua chave em objetos maiores, entendeu?
Sim, agora sim.
Não se preocupe, querida, dentre poucas semanas eu lembrarei a você do retorno das férias dela.
(passadas quatro semanas e dado o retorno avisado da fada...)
Aahhhhhh! - Julinha, acordou só bocejos.
Bom dia, querida.
Bom dia vovó. Ao olhar em volta, Julinha encantou-se ao ver Vovó Ednar entrar no quarto com seu dedão inteiro novamente.
Vovó, funcionou! A fada da chave transformou o dedinho em dedão novamente!
Sim, querida, agradeça a ela por mim.
E sua bota branca?
Ela deve ter carregado com ela, mas como você aconselhou-me a não tentar ver...
Risos.

(Denise Araújo).

*Presente enviado pela minha amiga Denise. Denise, carinhosamente agradeço o seu presente. 

quarta-feira, 22 de junho de 2011

A vida é movimento


    (Lena Gal).


Olhando o espelho, tentei contar as rugas,
Tentei achar nelas rusgas…
Tentei achar as digitais dos risos, dos meus desabrigos..., Questionei, invadi os sonhos já desfeitos,

Olhei os meus defeitos, se a tristeza
Mora dentro ou fora de mim… (?). (..............)
Ai… Quantas lágrimas derramamos…
Quantos desejos temos e não provamos deles o sabor,

Quantas ilusões… Quantos planos e os sentimentos como se Esvaem… Como chuva de verão,
Como uma estação apenas, passam… Como o calendário
Que se renova e os outonos com novas e secas folhas

 Que jamais se repetem
 E no sabor do novo fruto acontecerá uma ilegítima presença
 Do mesmo sabor de outro igual fruto
 Sem poder jamais ser o mesmo, passam… Assim...:

Deixando em cada lacuna um sabor de vazio…,
Ou uma vontade inacabada de refazer-se "neste" vazio.
Porque o homem é sedento de felicidade.
E vive na busca de algo novo, insatisfeito,

Eterno sonhador, buscando na vida o peito materno,
(Um insatisfeito.)
Olhei-me longamente…
Não consegui contar as rugas,

 Apenas notei que já são tantas...
 E tive a impressão "nítida" de que cada uma guarda um registro,
 Assim como digital, como um segredo e a gente nem se dá conta
 De suas marcas do quanto cada uma custou…

…Os amores, as perdas, despetalados anseios…
 Verdadeiros vulcões… São terremotos, maremotos…,,,,
 Tempestades d’alma a clamar por vida, por felicidade…
“Felicidade”:

Esta mora em algum lugar e ninguém tem seu endereço…
 Rs… Mas como ser feliz? Passamos a vida a perguntar… (?)
E num primeiro passo, ainda bem moços,
Pensamos erradamente que no outro está…

 Conclui que é puro engano, esta palavra é “solitária”
 Como cada um de nós…
 (felicidade…???) nosso maior conflito interior,
Pensei ao mirar o espelho.

Fiz uma viagem sem passaporte…
Clandestina viagem… Traiçoeira viagem de insegura interrogação… Pois não há mais em mim,
Tempo para mágoas, tempo para dúvidas…

É MESMO A VIDA “HOJE”.
 Sem amanhã e sem tempo…
Voar… Voar… E, nas asas do que resta,
Juntar o que ficou, “somar ao que for agora” a vida,

 Não perguntar nada ao espelho, apenas seguir…
 Viver sem desejar, sem sofrer,
 Olhar-se no espelho e reconhecer-se no tempo
 Como o conteúdo da moldura.

Ser o verdadeiro editor da história, sem se arrepender,
Sem lamentar, esquecer a vã filosofia e repudiar os mistérios…
Perguntei ao espelho, se existe alguém que pergunte mais do que Eu… Rsrs… Ele permaneceu calado… Eu desisti da questão…

Concluo que esta busca é inútil, que tudo assim como vem vai…
E nada permanece, pois a vida é movimento…
"Nada permanecerá no tempo"… (Já DISSE Gil)
Que até as lembranças perdem o colorido,

E se nos vem, também passam dando espaço para o hoje,
Como um perfume, um aroma “LAVANDA”
Com cheiro de frescas manhãs…
Que no penteador só ficou o frasco…

Alguns amores caminharão contigo no teu respirar,
Te serão eternas Memórias que te servirão de companhia,
Mas sem causar incômodo,
“Como uma suave lembrança que te faz gostar de está vivo"

... E havê-lo tido, e deles fazes poemas que jamais serão editados.
Passearás com tuas saudades de mãos dadas em plena comunhão,
São quase sagradas tuas visões, teus momentos de abstração,
 Gemidos e sussurros são secretos COMO A ALMA,

 E nem no espelho conseguirás identificá-los.
No olhar sem que ninguém veja os olhares, os risos…
Talvez no coração, escutes uma batida diferente
 E ao sentires a identifiques, como vida ainda em ti.

 E em seu movimento lembres sem sofrer,
Mas sem poderes deter uma lágrima.
 Então a isso chamarás de amor,
E para cada amor nomeies uma ruga.

 E para cada sorriso,
 Outro sorriso. (...)
A vida é movimento...
E os espelhos também mudam...

(Ednar Andrade).

terça-feira, 21 de junho de 2011

Suave perfume...


Como uma folha distraída
De um outono, neste inverno,
Vejo, da cor da vida,
Ainda verde...

Uma saudade mansa...
De um tempo feliz,
Batendo na porta do meu peito
De dentro para fora querendo sair,

Fazendo no meu rosto
Festa de lágrimas,
De emoção, de contentamento,
Lembranças felizes.

Doces memórias...
Ainda trago comigo um suave perfume...
É tão palpável...
Como um rosário de folhas e flores

Em marrons tons...
Palavras de sagrado silêncio
DEDILHO ESTAS CONTAS
Uma por uma sei o nome

Rosário de pérolas;
Brancas, negras e azuis...
No calendário da vida, sépia,
Desbotam, felizes, os tons.

(Ednar Andrade).