domingo, 9 de setembro de 2012

Alma minha gentil, que te partiste


   ("Camões", por Fernão Gomes).

Alma minha gentil, que te partiste
Tão cedo desta vida, descontente,
Repousa lá no Céu eternamente
e viva eu cá na terra sempre triste.

Se lá no assento etéreo, onde subiste,
Memória desta vida se consente,
Não te esqueças daquele amor ardente
Que já nos olhos meus tão puro viste.

E se vires que pode merecer-te
Alguma cousa a dor que me ficou
Da mágoa, sem remédio, de perder-te,

Roga a Deus, que teus anos encurtou,
Que tão cedo de cá me leve a ver-te,
Quão cedo de meus olhos te levou.

Luís Vaz de Camões
(1524-1580)

Nenhum lugar



É nato em mim
Este desejo de amar,
De ser somente,
Apenas, sem nada
Perguntar, pedir ou querer.

É como um caudaloso rio
Que desce e se espalha
Por entre tudo e todos.
É como a chama e o fogo
Que consomem e tudo queimam,

É como um vago que não habito
E estou.
É como um riso que choro
E dou.
É como a quietude...

Que acolhe e faz pensar.
É como a guerra
Que mata e faz recomeçar.
Há em mim uma estrada
De abismos natos

Entre espinhos, flores e abstratos.
Uma seta que me leva
A nenhum lugar
E volto somente
Para te encontrar.

(Ednar Andrade).  

Canto de sal



Dançam folhas,
Dizem versos
E eu esqueço
A dor do tempo.

Esqueço de lembrar
O desencanto
Neste balanço
E encanto.

Que a morna tarde
Me dá.
Murmuram as ondas
E o canto de sal,

Vindo do mar
E o meu coração atento
Descansa neste velejar.
A vida é verde

Nesta ilha azul,
Onde a dor se esvai
No meu canto azul.
Mata quem me mata

E desmata os sonhos
Que silencio.
São como afagos
Na minha pele

Ansiando pelo sol perdido.
Todos repousam
Em diversas cores
E sonhos,

Mas eu bebo,
Na taça,
Um brinde calado
Ao que permanece vivo.

E quero
E espero
Em tardes
E pores-do-sol.

- lentos sóis -,
Serenas noites
Antes, nunca,
Tarde.

(Ednar Andrade).

Fugitiva



Todos dormem.
A quietude é como lei.
Eu burlo este sussurro,
O pensamento
E a razão.

Tudo sossega...
No meu desassossego,
Habito o deserto
Da desarmonia.
A vida parece um filme,

Onde assisto
O desenrolar
Do imperfeito
Sentido meu.

Há um descompasso
Que sigo passo-a-passo.
Há uma incerteza
Que me impulsiona
Para a certeza que me habita.

Não há guerra.
Há, apenas
E tão somente,
Uma certeza latente

De que tudo é
Quando não parece ser e estar.
E eu, fugitiva
Dos mais vários sentimentos,

Refugio a agônica
Alma transcendente
No que calo
Para suportar.

(Ednar Andrade).