sexta-feira, 3 de setembro de 2010

Sorrisos de Maria... 99 flores...



    Tia Maria, à esquerda; eu e Julinha.

Nasceu Maria na Primavera ou no prenúncio dela. Sorrisos de Maria... Que já não vejo. Mesa posta, família reunida e onde havia sorriso, agora vejo: É preciso viver antes que a vida anoiteça... Antes que a escuridão vede as alegrias.

“Tolo é o homem que não vive, com intensidade, o seu abstrato”. “Tolo é o homem para quem a felicidade é palpável” (pois a felicidade é invisível...) Não há como encontrar no outro a sua felicidade. Simples assim: é olhar para dentro de si e ser feliz, não importando em que hemisfério gira a maldade. Mas o homem, em vão guarda mágoas e chora e deixa de viver e ser feliz... Assim é o “homem”. Durante um longo tempo pensei e, olhando aquele olhar sisudo, boca cingida de não mais sorrir... Olhos postos no nada... Seus dedos brincam com a ponta do pano, tecendo algum pensamento que só a ela pertence, talvez sejam seus últimos segredos que a ninguém confessa e que jamais serão editados. Que desenha em pensamento? Alguma flor? Lá fora, na entrada do terraço, está o seu jardim, feito com esmero e capricho, entre rosas e pequenos cactos, teceu um poema que mais parece um quadro que lembra a Primavera. Entre flores vermelhas e rosas cálidas, o seu roseiral perfuma e presenteia a todos que ali chegam.

Maria não mais sorri, seu olhar parado parece em mármore esculpido, indiferente a tudo e a todos. Ali, Maria está! Sentada, posta. Seu pensamento é um Paraíso inabitado. Maria, agora silenciada pelo tempo, é simplesmente Maria. Divago: tolo é o homem que passa pela vida sem viver, que não sorve com intensa felicidade e gratidão a sua história, e em seus poucos dias apega-se tanto às asneiras... Vaidade, vaidade! E nessa busca vã, o homem alimenta-se de forma mesquinha, faz da vida, tão simples, um coquetel de dor. Detive-me olhando para Maria. “Marias” estavam todas reunidas: Ana Maria..., Ana Elisa..., como calaram... E quando falam, dizem-me coisas fora do seu tempo, como crianças sem noção do real. Já não pensam em certezas, nem em ter falta de esperanças. Felizes como anjos, ainda permeiam entre nós. Maria contou em seus ramos, ontem, 99 flores. Mas já não se dá conta desta matemática. Festa onde o bolo e o manjar é a sua presença. Indiferente a qualquer calendário, quase se despede do seu jardim. Sábia Maria que cantava como um sabiá livre. Hoje, já não voa; não se refresca ao vento...

A vida passa como uma estação, mas diferente das quatro estações, não volta. É preciso viver o Verão sem reclamar do calor do Sol; é preciso saber fazer do frio o motivo para o agasalho e selecionar boas sementes para ter frutos no Outono e quando a Primavera da vida passar, que ela possa deixar rastros, mesmo em sépia, das belas flores que plantamos em nosso jardim. Mas o homem egoísta, cego, tolo, esquece-se que esta viagem curta tem hora para acabar. Seu calendário oculto traz uma surpresa no tempo: ser feliz é urgente!

Bendita seja Maria que soube dar alegria, que soube dar amor... De Maria, carregarei sempre, no coração e na lembrança, os carinhos recebidos no tempo da minha infância. Falava-me sempre com ternura. No seu olhar nunca faltou o carinho. Suas mãos, feitas para cuidar das flores, nunca se cansaram de cuidar do seu jardim. Plantou em todos, como fez com suas flores, um santuário, onde até hoje seus filhos, como fieis religiosos, a veneram e com ela rezam uma canção de amor.  

Não deixe meu Deus, que se disperse de mim a felicidade de mirar o verde, de ouvir o canto das aves, o barulho das águas e ver o colorido das flores. Conserva em minha alma a Maria que também mora em mim.

Homenagem ao sorriso de Tia Maria, na passagem dos seus 99 anos (2 de setembro de 2010).

(Ednar Andrade).


   Tia Maria e eu.

    Flor do Nordeste, conhecida como Sorriso de Maria (flores)
   

     As flores são palavras silenciosas... (Ednar Andrade).