sexta-feira, 30 de agosto de 2013

Caracol

   (Quadro "Mulher Caracol", de Maria Angeles Beusher).

Mas agora tenho andado
Por entre as folhas secas
Do meu pensamento
Assim como musgo
Recolhida no esconderijo
Da minha alma.
Agora, assim como aquele pássaro
Que se perdeu na noite fria,
Ando quieta e sem canto,
Dentro do meu desencanto
As canções, as notas,
São como o assovio de um vento
Ao longe...
Sou como a canção da lagoa deserta,
Sou como o beija-flor
Que não encontra o néctar.
Agora assim, como um caracol,
Tenho me enroscado
Cada vez mais dentro da concha
E de lá não saio.
De lá, só escuto o silêncio
Que de espaço vazio, ocupo.
Mas agora, que o dia desmaia
E o Sol silencioso se despede
Sou como aquela prece que ninguém
Pode escutar.
Sou como o canto triste daquele sabiá
Que aguarda a primavera e se veste
De esperanças marrons.
Antes das flores, tudo parece triste.
Tudo é como tudo está:
Quieto e sem cores.
Tudo deserto
De sorrisos e sem flores.
Sou como a pomba
Que se escondeu na laranjeira,
Sou como a orquídea
Que não mais brotou
E ali quieta, permaneci e estou.
Sou como as janelas que nas manhãs
Não mais se abrem para entrar o Sol.
Sou o espinho da rosa,
Tenho o peito sangrando;
As mãos erguidas
E o olhar sem luz.
A desesperança, a saudade, a tarde fria,
Os morros silenciosos, os versos perdidos
... E a vida.