terça-feira, 5 de outubro de 2010

Um 5 de outubro diferente...


Aparentemente, era um dia como outro qualquer. Eu cursava a 7ª série do 1º grau e me encontrava no colégio em mais um dia de aula. Era um dia chuvoso e lembro que nem pudemos jogar vôlei, pois a quadra (que era no barro) virou lama – imprestável à prática esportiva, segundo o nosso professor.

Bem, eu estava assistindo a uma aula – cuja matéria o tempo se encarregou de me fazer esquecer – um tanto chata, quando a diretora do colégio suspendeu todas as aulas e determinou que todos os alunos descessem ao pátio para se perfilarem e cantar o hino nacional. Eu sempre gostei destas demonstrações patrióticas, mas confesso que não entendi nada! Não era 7 de setembro, não era Proclamação da República, nem nenhum outro feriado pátrio; era um 5 de outubro como outro qualquer, assim eu pensava; mas não era. Era 5 de outubro de 1988.

Quando cheguei em casa fiquei sabendo, pela TV, que a  constituinte tinha concluído seus trabalhos e o Álvaro Pereira, jornalista da Globo, anunciou solenemente que estava promulgada a nova Constituição do Brasil; a Constituição Cidadã, nas palavras de Ulisses Guimarães.

Nos dias que se seguiram, todos queriam entender um pouco mais dos novos direitos previstos no texto constitucional (habeas data, mandado de injunção, PIS, PASEP, etc) ou dos direitos que já existiram, mas foram constitucionalizados (FGTS, seguro-desemprego, etc).

O tempo passou... Já fazem 22 anos da promulgação da Lei Fundamental do País e eu, hoje formado em Direito e advogado há mais de 10 anos, tenho acompanhado a evolução da Constituição do Brasil (e não Constituição de 1988, como bem explicado pelo Ministro Eros Roberto Grau, do STF), cuja efetividade ainda não atingiu um grau satisfatório, mas já foi capaz de conferir cidadania ativa a um povo que, até então, se via carente de direitos e farto, em deveres...

(Danclads Lins de Andrade).

E agora, José?





A festa acabou,
a luz apagou,
o povo sumiu,
a noite esfriou,
e agora, José ?
e agora, você ?
você que é sem nome,
que zomba dos outros,
você que faz versos,
que ama protesta,
e agora, José ?

Está sem mulher,
está sem discurso,
está sem carinho,
já não pode beber,
já não pode fumar,
cuspir já não pode,
a noite esfriou,
o dia não veio,
o bonde não veio,
o riso não veio,
não veio a utopia
e tudo acabou
e tudo fugiu
e tudo mofou,
e agora, José ?

E agora, José ?
Sua doce palavra,
seu instante de febre,
sua gula e jejum,
sua biblioteca,
sua lavra de ouro,
seu terno de vidro,
sua incoerência,
seu ódio - e agora ?

Com a chave na mão
quer abrir a porta,
não existe porta;
quer morrer no mar,
mas o mar secou;
quer ir para Minas,
Minas não há mais.
José, e agora ?

Se você gritasse,
se você gemesse,
se você tocasse
a valsa vienense,
se você dormisse,
se você cansasse,
se você morresse…
Mas você não morre,
você é duro, José !

Sozinho no escuro
qual bicho-do-mato,
sem teogonia,
sem parede nua
para se encostar,
sem cavalo preto
que fuja a galope,
você marcha, José !
José, pra onde ?

(Carlos Drummond de Andrade).