quinta-feira, 5 de novembro de 2009

*Não sei quantas almas tenho*




Não sei quantas almas tenho.
Cada momento mudei.
Continuamente me estranho.
Nunca me vi nem acabei.
De tanto ser, só tenho alma.
Quem tem  alma não tem calma.
Quem vê é só o que vê,
Quem sente não é quem é,


Atento ao que sou e vejo,
Torno-me eles e não eu.
Cada meu sonho ou desejo
É do que nasce e não meu.
Sou minha própria paisagem;
Assisto à minha passagem,
Diverso, móbil e só,
Não sei sentir-me onde estou.


Por isso, alheio, vou lendo
Como páginas, meu ser.
O que segue não prevendo,
O que passou a esquecer.
Noto à margem do que li
O que julguei que senti.
Releio e digo :  "Fui  eu ?"
Deus sabe, porque o escreveu.


(Fernando Pessoa)








Um comentário:

  1. Quem pode responder à pergunta do poeta? Quantas almas temos? Não o sabemos. Nos surpreendemos, às vezes, com nossa capacidade multifacetária. E assim, dizer como Pessoa o disse acima, ou reptrir Mário de Andrade: "Sou 300, sou 350, mas um dia vou encontrar comigo mesmo".

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