quarta-feira, 16 de junho de 2010

Fragmentos


Ei, estou aqui pensando em todo este silêncio;
"Silêncio que a minha boca rejeita".
O ontem tem hoje, nisso, uma parcela.
Ontem tanto, hoje nada.
E é o nada de hoje que me estrangula a quietude da alma.
É assim que você precisa me ver:
Andando absorvida deste jeito por mil pensamentos.
Pareço uma fera que ruge, presa.
Agora, por exemplo, a minha calma virou mar;
A minha lucidez foge totalmente.
Olho-me no espelho do meu quarto.
Minha fisionomia parece de uma mulher estranha,
Estranha demais para o sorriso dos meus olhos travessos.
Hoje eu queria o meu ontem. Que maravilha!
Repito minha frase: é quando pode dois, um ser.
Um pássaro, um pardalzinho desses, que tenho no quintal,
Que bom! Eu queria ser, pois só assim eu voaria para a tua janela.
Olhando nos olhos, no fundo dos olhos, eu te diria baixinho
Para ninguém ouvir que hoje me tiras a calma,
Da mão a palma, o riso, a razão, da voz o som.
Mas, diria também que tudo ontem foi bom.


(Ednar Andrade).

2 comentários:

  1. Oitavo Cálice


    Perscruta o infinito como quem aguarda o insurgente apito do comboio
    Porque há algo que escutar no silêncio da ímpar imensidão do cosmos
    Quando já for quase noite neste dia ainda o mesmo dia ao crepúsculo
    Quando comecei a escrever-te todavia já é madrugada o ocaso serôdio
    Quando a aurora e o odor do teu corpo se misturam o mesmo fascículo
    Se diluem brasa no perfume acidulado da rosa canina medida a moio
    E seu fumo evola e dança entre nós urgentes e nus trejeitos de menina
    Que os ventres se requerem desesperados na sôfrega eclosão plangentes
    Com que se fundem num só fogo e igual fragrância de sangue ilumina
    Latejante arrebatamento, febril e avassalador esquecimento da luz o til
    Que cheira tão bem que até dói custoso acreditar ser cálice primaveril
    As folhas a arderem estralejando desde a semente à raiz dum rebento
    Libertando fleumas de convergir na morrinha da manhã acesa ao vento.

    Eu confesso que também não sei quase nada das horas aberta espiral
    Dos dias e do tempo apenas reconheço os minutos que sinto estar perto
    Na intensidade dos sessenta segundos de pensar em ti em ti no plural
    Em ti no analógico desmedido até ferver cachoeiras no DNA desperto
    Furnas de lava ácida nucléica borbulhante nas lagoas cerebrais do sinal
    Desmesuradas quedas de água interior despencam abruptas desmedidas
    Precipícios líquidos do desejo com que te dissolves nas minhas lidas.

    Há outras coisas a querer igualmente dizer sem parar ininterruptamente
    Claro, mas que podem esperar ainda pelo sacrifício do verbo ao nome
    Quando o degolarmos na lousa e altar de todos os silêncios cintilantes
    E o seu latido agonizante raspar o arrepio e sulcar a alma alerta insone
    Com as pontas de diamante das estrelas que anavalham o torpor antes
    O rasgam de alto a baixo e esfaqueando-o como cristais candentes ais
    Plantam nas telas do céu diamantinos e fulgentes soslaios e madrigais
    Esses teus com que dizes não à morte de nenhum animal ou ser vivente
    Flor, árvore, ideia, cor, som, gesto, expressão do agora digital semente
    Porque tu preferes que profira a vida em linhas de horizontes tangentes
    Paralelos sobre a paralelidade como socalcos de aproximação do grito
    Palavras sobre palavras a irromper o imo seio das veias no grão granito
    E pulsantes impulsionem as correntes águas a espraiarem-se liquefeitas
    Até não podermos mais de tanto ruborizarmos nas inconfessáveis teias
    Vermelho desejo do tumescente segredo no beijo sequestrado perfeito.

    Porque quando se é julgado por incendiário e ter ateado o fogo divino
    À floresta dos sonhos incondicionais e estes em labaredas irrompam
    Incendeiem o corpo no suplício da obsessiva possessão nosso destino
    E me possuíres em ti como um crime consumado no imo foro as glórias
    Então ficará explicado sem que usuais contundências ilusórias acudam
    Da retórica dos remorsos e rebates dos desejos arrependidos assaz frios
    Que mergulhei na morte abraçado ao meteorito incandescente do olhar
    E do teu beijo, e atravessei-a toda num golpe de adaga imperial secular
    Separando a eternidade em duas metades como fruto maduro nos estios
    Cometa acutilante de seda felina a dizer a fresta que nos une até gritar
    Teu nome através dos tempos milenares provocando infinitos arrepios.

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  2. Nono Cálice


    Digo-te pois em segredo
    Na frente de toda a gente,
    Porém, sem o mínimo medo
    De ao proferi-lo, de repente
    Na inveja de quem por vê-lo assim
    Ao nome desmascarado, o obrigue rogado
    Exigido, coitado, outrossim,
    Assustado no pormenor enredo
    E queira parecer ser coisa diferente:
    Porém, certo é dizer-to em segredo
    Teu nome, só para mim,
    Sabendo-o conhecido de toda a gente!


    Sei-o de trás para diante
    Anterior ou partindo do meio,
    Repetido como refrão constante
    Atreito ao brilho do diamante
    Como às espigas do trigo e do centeio.


    Dou-lhe aval garantido
    Pelos registos da memória
    Como assinatura de lido
    Seja só ficção ou história.


    E acerto a terceira sílaba
    Do meu relógio e tempo
    Na cripta de uma cabala
    Onde a mim próprio me invento.

    E três vezes três vezes te digo
    Pelas frestas do sonho em flor,
    Não serve de nada o conto antigo
    Se a Aliança renegar o amor!

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