domingo, 18 de julho de 2010

Saber-me não sei, diga-me quem sou



Digam-me, quem sabe,
Quem sou eu afinal. Sabes tu?
Sou por acaso, quem?
Fui ou serei o que ainda nem sei se sou?
Sou tua imaginação fértil,
Sua desgraça ou sorte
Que o tempo abortou.
Sou ciranda, serpentina,
Inquieta, bailarina, sabes tu?
Dizes quem sou.
Não sou de nada,
De ninguém,
Não fui, nem vou,
Além do além.
Diga-me, então se souberes
O que quero ou o que queres.
Sabes tu o que não sei?
O que não digo, nem direi?
Digas-me tu o que não sabes
Deste meu ser o que não cabe
E se derrama nas levadas,
Nos escombros, nas madrugadas
Que me leva a alma errada.
Diga-me, pois não direi
O que até agora não sei.
Estou no vento, na chuva,
Nas flores, no teu olhar escondido,
Num poema esquecido,
No que é morno, no que é feio,
No que dizem bizarro, não sei...
Sou profana, alheia, noite, tarde,
Estou no seio da verdade,
Não me escondo, não sou maldade.
Mas, mesmo assim, não sei,
Sabes tu? Digas, quem sou...


(Ednar Andrade).

2 comentários:

  1. Digno de um José Régio, de um Fawzi Arap e outros tantos, este poema deve ser declamado com o dedo em riste, desafiando o leitor a responder: quem sou? A poetisa faz a pergunta existencialista mais perturbadora. Chocante, intrigante, instigante, corajosa forma de questionar e fazer pensar.

    Parabéns poetisa pela coragem de colocar nesta bandeja, não fria, mas sim muito quente a constante pergunta que cada um tem dentro de si.

    ResponderExcluir
  2. Quem sou?... Não sei! Sou talvez
    Aquela memória que procura ilusão...
    Que estuda, que fala, que ri, que ensina
    E se vê nos espelhos que outros lhe dão.
    Sou aquela que viste uma vez
    Não querer olhar para trás no caminho
    Dum mundo que já não é meu,
    Que pertence ao tempo divino
    Onde o homem não ilumina,
    Àquele tempo de menina
    Em que brincava com a terra e com o céu.
    Sim... Essa sou eu!
    Sou aquela que desceu do mito
    Da paixão
    Para fazer o sonho e grito
    Duma gente que sempre ausente
    Ouve e lê, mas sente
    E ousa ter sol, ter coração,
    Dizer sim, dizer não;
    Que se ergue ao baixar do véu
    Dum mundo em forma de assim
    Que é de ontem, e também de hoje.
    Que parece que fica... Que aparece, e foge.


    Pois que o que eu quero, enfim
    É regressar para dentro de mim
    É ser feliz em todo o sempre
    É ver-me nascer do meu próprio ventre!

    ResponderExcluir